Em março de 2018, a revista Piauí publicou uma reportagem de sete páginas do jornalista Fabio Victor sobre os generais brasileiros. Um deles disse o seguinte sobre as chances de Bolsonaro ser presidente, a sete meses da eleição:
“Tu achas viável que num país que evoluiu tanto institucionalmente e consolidou uma democracia alguém consiga governar para impor uma agenda totalitária, excludente?”
Bolsonaro era candidato a candidato. O general que deu a opinião sobre o capitão, com seu “tu” de gaúcho de Cruz Alta, é Sergio Etchegoyen – então ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer – hoje na reserva.
A reportagem “A política dos generais” tratava da intervenção militar no Rio e das controvérsias que provocava no Exército. Os generais temiam pelo desgaste político da operação incentivada pela Globo. Bolsonaro estava apenas surgindo como personagem.
Aparecem na reportagem generais que seriam depois protagonistas do que não queriam ser, na política graúda e também na miúda.
Alguns ficaram ao lado de Bolsonaro, como seu vice, Hamilton Mourão; como seu subordinado, Braga Netto, comandante da intervenção no Rio e hoje ministro da Casa Civil; ou como apoiador e inspirador, como o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas.
Mourão é apresentado como um defensor reincidente da “intervenção militar” contra a corrupção. Outros que aparecem acabaram saindo de cena, como Otávio Rêgo Barros, Tomás Ribeiro Paiva e Ubiratan Poty.
Fabio Victor narra assim a reação de Villas Bôas, que comandava o Exército, entrevistado pelo jornalista em novembro de 2017, ao falar de Bolsonaro:
“Villas Bôas associa a força do ex-capitão a uma reação da sociedade brasileira (“que é conservadora”, ressaltou) contra o que ele chama de “pensamento politicamente correto em suas várias vertentes”.
O general fez uma lista do que Bolsonaro combatia. Ideologia de gênero, a performance de um homem nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo, os excessos dos que defendem os índios, a exacerbação da luta contra o racismo. As ‘ideologias’ de esquerda em geral.
O ambiente na época era conturbado pela intervenção militar no Rio, o surgimento de Bolsonaro como força política, pelos traumas da Comissão da Verdade, o golpe de agosto de 2016, os rescaldos dos governos do PT e a expectativa da prisão de Lula.
Os generais em torno de Villas Bôas – considerado o grande líder do Exército até hoje – tinham simpatia por Bolsonaro.
O Gabinete de Segurança Institucional havia sido extinto por Dilma, mas foi logo recriado por Temer, com Etchegoyen de ministro.
Em fevereiro de 2018, o Ministério da Defesa havia sido ocupado pela primeira vez por um militar, o general Joaquim Silva e Luna.
Sempre, desde sua criação em 1999, a Defesa era entregue a um civil, até Raul Jungmann deixar o posto no governo Temer.
A contribuição da reportagem da Piauí, dois anos atrás, foi a de mostrar o que muitos cientistas e jornalistas se negavam a admitir: que os generais estavam contaminados pela ideia de interferir na política.
O nome de Mourão já era especulado para ser candidato a alguma coisa, e ele negava, e Villas Bôas falava abertamente na possibilidade de intervenção militar, quase como ameaça.
E hoje, o que pensam os generais sobre Bolsonaro e um governo que já mandou seis deles embora? Quem está com quem? Quem estaria ao lado de Mourão na hipótese cada vez mais especulada de uma ‘intervenção’ que isolasse Bolsonaro?
O único crítico de Bolsonaro entre os generais ouvidos pela Piauí não tem mais participação política ativa. Sergio Etchegoyen, substituído pelo general Augusto Heleno, foi instigado por Fabio Victor a falar sobre a possibilidade de Bolsonaro prosperar como candidato. E disse o seguinte:
“O Brasil precisa de um político, não de um outsider”.
O Brasil acabou elegendo o outsider totalitário e excludente, o sujeito que, apesar de estar na política desde os 33 anos, com 27 anos de Câmara, era um deputado alheio às liturgias do Congresso, às negociações, às articulações e à convivência com aliados e adversários.
Bolsonaro, o fora de linha, o improdutivo, o intolerante, o machão que falava de estupro para agredir uma colega do Congresso, foi eleito com o apoio dos generais. Talvez não de Etchegoyen, mas da maioria deles.
O governo de Bolsonaro tem 2,5 mil oficiais em cargos de confiança. Bolsonaro imaginou que assim estaria protegido. Mas quais são os generais, dentro e fora do poder, que continuam com ele?