“Apenas o setor público pode reconstruir o país”, alerta o sociólogo Emir Sader

Atualizado em 3 de abril de 2020 às 11:41
Sociólogo Emir Sader. Foto: Reprodução/YouTube

PUBLICADO NO FENAE

Sociólogo diz que, com a crise, a Caixa torna-se novamente elemento essencial para a política anticíclica. Ele avalia que os bancos públicos sairão da crise fortalecidos na sua capacidade de ser instrumentos de uma política de reanimação da economia.

O professor Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos do país. Segundo ele, a pandemia do coronavírus encontra um Estado enfraquecido, um sistema de saúde desmontado, um país com 12 milhões de desempregados e 38 milhões sobrevivendo na precariedade. “São 50 milhões de pessoas que, com suas famílias, representam metade da população vivendo em condições de miséria”, alerta.

Para o sociólogo, neste período de crise, a Caixa torna-se novamente elemento essencial para a política anticíclica, indispensável para neutralizar em parte os efeitos da recessão.

Emir Sader é formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É, também, secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

O professor integra ainda a lista de autores do livro “O Brasil que Queremos”, uma coletânea de artigos que conta com o patrocínio da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae). Essa publicação é uma iniciativa da campanha “Se é Público, é para Todos”, lançada pelo Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, para reafirmar o papel das empresas, bens e serviços públicos para o país.

Confira a íntegra da entrevista ao portal da Fenae:

Quais as implicações da pandemia do coronavírus para a economia do Brasil?

Emir Sader – Se a economia já estava estagnada antes da chegada da pandemia, com previsões de um segundo ano de crescimento zero, agora é seguro que haverá um retrocesso. Prognósticos modestos falam de – 0,2%, mas, certamente, a derrocada será maior. O governo foi obrigado a gastar o que não queria, para atender minimamente as necessidades do setor de saúde pública, muito debilitado nos últimos quatro anos pelas políticas neoliberais, assim como desembolsar recursos para atender aos setores mais desvalidos da população.

As finanças públicas, enfraquecidas pelas políticas de concessão para as grandes empresas privadas, especialmente aos bancos privados, sairão da crise muito desequilibradas. Isto sem levar em conta de que os níveis de desemprego serão sem precedentes.

Hoje, no Brasil, há 12 milhões de desempregados, somados aos 38 milhões de trabalhadores em situação precária. São, praticamente, 50 milhões de pessoas que, com suas famílias, representam metade da população brasileira em condições de miséria. A economia em frangalhos, a situação social em condições desastrosas: isto é o mínimo que se pode esperar como efeitos iniciais da pandemia.

De que maneira instituições como a Caixa Econômica Federal podem colaborar para conter a crise?

Emir Sader – Um dos efeitos politicamente mais importantes da crise da pandemia foi o fortalecimento do setor público em geral: saúde, bancos, universidades e centros de pesquisa. Quando se trata de fazer chegar ajuda para as pessoas mais carentes, os bancos públicos, em particular a Caixa Economia Federal, voltam a ganhar relevância.

Na contramão do que se estava fazendo, as instituições financeiras públicas mostram-se como elementos essenciais para amparar as populações mais necessitadas, atuando como mobilizadores de recursos para atender a essas populações, além de liberação de créditos para as pequenas e médias empresas, muito afetadas pela quarentena.

A população volta a se encontrar com o papel social da Caixa, com sua capacidade de chegar aos rincões mais longínquos do país, além de atender a aposentados e pensionistas, em suas necessidades prementes. A Caixa torna-se novamente elemento essencial para a política anticíclica. Não tanto como em 2008, pelo tipo de governo que se tinha naquele momento, indispensável para neutralizar em parte os efeitos da recessão.

Sobre a atuação dos bancos públicos, como o senhor avalia essa questão?

Emir Sader – Os bancos públicos sairão da crise fortalecidos, na sua capacidade de serem instrumentos de uma política de reanimação da economia, como também na condição de atuarem como espaços de atendimento da massa mais necessitada da população.

Enquanto os bancos privados só pensam em lucrar mais ainda na crise, os bancos públicos atuam na direção de fortalecer a capacidade de resistência do Estado, das médias e pequenas empresas, dos trabalhadores, mostrando concretamente como a política de enfraquecimento e de privatização da Caixa Econômica Federal, por exemplo, se choca com os interesses do Brasil, da população, da economia do pais.

Essas instituições voltam a ganhar protagonismo em momentos de crise, e terão mais ainda quando se tratar de colocar em prática uma política de reconstrução da economia brasileira.

Como levar esse debate para o interesse público, para que mais cidadãos percebam o que acontece? E como essa política impacta a vida deles?

Emir Sader – O trabalho de divulgação da importância dos bancos públicos na vida do país e de sua população é decisivo para que se possa consolidar essa virada sobre o papel do Estado, do setor público em geral, a exemplo das escolas e dos bancos. Isso é vital para que as pessoas se deem conta de que o destino dos bancos públicos tem a ver com o seu destino individual.

Os neoliberais, hoje recluídos, voltarão à carga com seu ajuste fiscal, para barrar esse processo de reconstrução. Quem terá de pagar os custos dessa reconstrução são os que lucraram com o desmonte do Brasil, do Estado, da esfera pública, nestes quatro anos – ou seja, os bancos privados, as grandes fortunas, o capital especulativo.

É preciso, portanto, consolidar os consensos retomados nesta crise sobre o papel do setor público e do setor privado, para estarmos mais fortes nas duras disputas políticas e ideológicas que virão, passada a pandemia.

Qual a perspectiva de futuro para o nosso país?

Emir Sader – Será impossível reconstruir o país sob a batuta deste governo, incapaz de conduzir a economia já antes da crise da pandemia. Sua fraqueza dá lugar à militarização do poder. Com o Bolsonaro completamente nas mãos dos militares ou com sua substituição pelo Mourão, formalizando a militarização do governo, haverá uma luta política dura daqui por diante.

As forças democráticas têm que revelar e difundir que são as únicas em condições de reconstruir o país, retomando o modelo de crescimento econômico com distribuição de renda, no qual os bancos públicos atuem com base em sua função estratégica para o Brasil.