O estilo boca dura do ministro Mandetta parece que tinha prazo de validade. Venceu ontem.
Depois de convocado para uma reunião com Bolsonaro e militares, o ainda titular da pasta da Saúde saiu mais manso.
Defendeu uma flexibilização nas regras do isolamento social e, ainda que tenha externado em entrevista que a cloroquina não tem eficácia comprovada, omitiu qual pressão recebeu sobre o assunto pela turma encabeçada pela médica Nise Yamaguchi.
Pouco depois da reunião, Nise soltou um texto assinado com outros dois médicos (Paolo Zanotto e Luciano D. Azevedo) defendendo o uso da cloroquina desde o início da doença.
“A posologia deste protocolo está sendo aplicada em vários hospitais de São Paulo como Albert Einstein, Santa Casa e Santa Maggiore e tem tido sucesso”, afirma a o documento.
O hospital Albert Einstein imediatamente emitiu uma nota desmentindo a médica. O remédio continua sendo ministrado apenas em alguns pacientes graves e a taxa de sucesso ainda não é confiável.
Doutora Nise é porta voz do pessoal que quer produzir e vender muita cloroquina (Em tempo: estudo recente da Fiocruz mostra que a taxa de mortes com cloroquina é igual a de quem não usa, e ainda há opção do Atazanavir, um remédio usado para tratamento da Aids que está apresentando bons resultados segundo cientistas da Fiocruz. Em resumo, cloroquina não é a única nem milagrosa saída).
Mas voltemos a Mandetta.
O “tom conciliador” de ontem revelou que os precedentes que abriu na reunião com o chefe podem ser cada dia mais… conciliadores. E isso terá um preço.
Todos os países que desdenharam da oportunidade de endurecer as regras quando a pandemia estava em suas primeiras semanas, estão transportando cadáveres em caminhões pelas estradas, estão com seus hospitais em colapso, estão sem saber onde enterrar ou cremar tanta gente.
O que realmente traz algum controle sobre a situação é fazer testes, na maior quantidade possível, e em relação a isso Mandetta tem sido de uma incompetência colossal.
O “tom conciliador” de ontem não é de ontem. A boca dura sim, era novidade.
Não se pode esquecer que Mandetta não foi convocado em regime de urgência para atuar e salvar o país. Ele está lá desde o começo e nada fez desde que as primeiras notícias sobre a pandemia começaram a surgir.
Mandetta é um típico exemplar da espécie que ascendeu com o bolsonarismo e que está lá por um projeto pessoal, ele não tem compromisso nenhum com a saúde.
Seu projeto sempre foi o de sucatear o SUS e privatizar a sistema. Seu empenho contra o Mais Médicos resume quem é ele.
Inteligentemente está aproveitando o momento de forte rejeição à Bolsonaro para se descolar (como outros já vinham fazendo há mais tempo) e impulsionar sua imagem.
Tenho minhas dúvidas sobre como ele agiria se esse vírus tivesse desembarcado aqui no começo da gestão biroliro, quando a popularidade ainda era alta. Talvez víssemos um ministro muito mais subserviente e totalmente contra o isolamento social, vestindo camiseta de propaganda de cloroquina.
É preciso ficar de olho em Mandetta daqui para frente e torcer para não se arrepender de ter aplaudido e ajudado a criar mais um monstro na política depois que tudo acabar. A carreira dele é a política, não a medicina.
Será preciso rezar para não nos arrependermos de ter dado sobrevida a Mandetta (que consequentemente deu sobrevida a Bolsonaro) e não termos implodido-o na hora certa, junto com esse projeto nefasto.
Abram o olho com esse humanista de agora. Amanhã pode ser tarde.