“Lá vem o Brasil descendo a ladeira”: Moraes Moreira não merecia viver no país de Bolsonaro. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 13 de abril de 2020 às 12:06
Moraes Moreira

Moraes Moreira não merecia viver no mesmo país que Jair Bolsonaro.

Morreu hoje aos 72 anos de causa ainda não revelada.

Com Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão formou os Novos Baianos.

Ficou na banda entre 1969 a 1975. Juntamente com Luiz Galvão, foi compositor de quase todas as canções.

“Acabou Chorare”, de 1972, é fácil, fácil dos melhores álbuns da música brasileira em todos os tempos.

O grupo levou adiante o tropicalismo com mais rock’n’roll, mais suingue, menos política e muita maconha.

Na carreira solo, estourou com “Pombo Correio”, “Vassourinha Elétrica” e “Bloco do Prazer”, dentre outras.

Eu me lembro do Moraes de “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira”, de 1979, uma ode à chamada brasilidade, inspirada, dizia ele, por João Gilberto, seu guru.

O clipe no Fantástico era de um menino negro num carrinho de rolimã, se minha memória me serve bem.

O Brasil desceu a ladeira — mas não parou e foi parar no esgoto do bolsonarismo.

Que descanse em paz o grande Moraes. O país que ele sonhou não era este.

Na dia 18 de março, ele postou um poema no Instagram:

Quarentena (Moraes Moreira)

Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida

Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo

Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito

De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia

Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido

Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta

Com tanta coisa inda cismo….
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia

As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres

O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo,nem idade”