A pandemia parece ter transformado economistas liberais brasileiros em perigosos esquerdistas. Não só liberais caridosos que, inspirados em referências clássicas, sabem que suporte social de governos não é coisa só de marxistas.
Os liberais pareciam estar mais atrevidos. É como se a pandemia tivesse provocado mudanças na cabeça do pensamento econômico de direita. E que eles tinham virado liberais esquerdistas mesmo, apegados à ideia de que o Estado deve tomar a iniciativa de salvar empresas e o povo e, salvando o povo, salvar mais adiante produção e empregos.
Todos os dias, a Globo ouve, há mais de mês, alguns desses liberais. Começou com os famosos: Armínio Fraga, Pedro Malan, Monica de Bolle, Alexandre Schwartsman, Mailson da Nóbrega, José Roberto Mendonça de Barros, Marcílio Marques Moreira, Gustavo Loyola, Raul Velloso.
É uma fileira de economistas de direita, alguns desconhecidos, com conversa favorável ao socorro às empresas e aos trabalhadores sem ocupação, para que sobrevivam até o fim da pandemia. O que vem depois é o que veremos mais adiante.
Os liberais sabem que, se o povo não tiver renda nenhuma, não tem o que comprar e como pagar contas. Os liberais temem desordem, ficam receosos que os bancos não recebam o que a classe média e os pobres devem ao sistema financeiro e temem, claro, um desarranjo que seria pior do que a intervenção estatal para salvar a vida dessas pessoas.
Mas, na hora da verdade, esse liberalismo de urgências (que defende mesmo o socorro às corporações e aos banqueiros e apenas leva trabalhadores na carona para justificar os aportes) revela sua índole.
Os liberais já saíram da toca para atacar o Pró-Brasil, plano de recuperação da economia, lançado com o patrocínio dos militares, sob a liderança do general Braga Netto, ministro da Casa Civil.
Parece ser um projeto de investimentos em infra-estrutura, que poderia injetar R$ 30 bilhões em 10 anos. É uma miséria.
Mas os economistas liberais entendem que talvez não seja simplesmente um plano de ocasião, mas uma ideia estrutural que apenas usa a pandemia como pretexto.
Os liberais já saíram atacando o plano. Porque aumenta o déficit público, cria endividamento e põe de novo o Estado a tocar obras. Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central, resume no que está acima o que os liberais pensam.
O interessante nisso tudo é que, pelo que as notícias informam, os militares passaram a perna no liberal Paulo Guedes. O projeto de recuperação seria coisa dos fardados, inspirados talvez nos planos de desenvolvimento e plurianuais da ditadura.
Só tem um problema. Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo tiveram, na Fazenda ou no Planejamento, Otávio Gouveia de Bulhões, Delfim Netto, Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen, Reis Velloso, Hélio Beltrão, Ernane Galvêas.
Braga Netto tem apenas Paulo Guedes, um operador do mercado financeiro, que parece estar de fora do plano. E quem ocupa o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão de Bolsonaro, decisivo para a montagem dos programas?
Ninguém. Fiz a pesquisa, para saber quem era, por não lembrar o nome, e descobri que não existe ministro do Planejamento. Bolsonaro extinguiu, num dos seus primeiros atos, o ministério que planejava e cuidava do desenvolvimento.
Na ditadura obreira, que movimentava as betoneiras, havia até uma disputa de beleza entre os ministros da Fazenda e do Planejamento.
Braga Netto, agora com capacete de operário, consegue se virar só com Paulo Guedes como peão? E com que dinheiro? O general vai ter que recrutar sua turma. Onde? Na Casa Civil? Nas Forças Armadas?
Chegaram a dizer que os militares estavam desconfortáveis no governo Bolsonaro. O governo não é mais de Bolsonaro. Os militares nunca estiveram tão confortáveis.