Entenda o papel de Moro na investigação de milicianos ligados à família Bolsonaro

Atualizado em 25 de abril de 2020 às 16:11
Presidente Jair Bolsonaro, Sérgio Moro e ministros durante a Solenidade de Lançamento do Projeto em Frente Brasil, politicas públicas de combate ao crime violento, no
Palácio do Planalto. Brasilia, 29-08-2019. Foto: Sérgio Lima/PODER 360

Publicado originalmente pelo Brasil de Fato:

Documentos revelados pelo site The Intercept Brasil neste sábado (25), trazem novos elementos sobre a ligação entre o senador Flávio Bolsonaro e a milícia do Rio de Janeiro chefiada por Adriano da Nóbrega, assassinado em fevereiro deste ano.

Segundo as informações de documentos sigilosos e dados levantados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro financiou e lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público.

O investimento para as edificações levantadas por três construtoras foi feito com dinheiro de “rachadinha”, coletado no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, segundo afirmaram ao Intercept promotores e investigadores sob a condição de anonimato.

Os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os dados mostrariam que o hoje senador Flávio Bolsonaro receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega  e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.

O andamento das investigações que fecham o cerco contra o filho de Jair Bolsonaro é um dos motivos para que o presidente tenha pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da Polícia Federal no Rio, que também investiga o caso, e em Brasília.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a advogada Izadora Gama Brito, aponta que Sérgio Moro teve motivações políticas para deixar o ministério e considera que o ex-ministro também deve ser investigado por omissão em investigações enquanto ocupou o cargo, entre elas a do miliciano Adriano da Nóbrega.

Adriano Magalhães de Nóbrega, ex-capitão do Bope, foi assassinado em Esplanada, na Bahia, após uma operação policial que devia prendê-lo, mas que teria terminado em uma troca de tiros, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). Na ocasião do assassinato, o jornal Folha de S. Paulo apontou que o então ministro Sergio Moro sabia da operação e cogitou a possibilidade de enviar um helicóptero para dar suporte à polícia baiana, responsável pela operação.

Acusado de comandar milícias em Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, Nóbrega era procurado pela Justiça brasileira desde janeiro de 2019, mas ficou de fora da lista com os criminosos mais procurados do país, divulgada por Moro no dia 30 de janeiro. No dia seguinte à divulgação da lista, a ausência do miliciano levou o PSOL a anunciar que convocaria o ministro Sérgio Moro para que ele prestasse esclarecimentos ao Congresso.

Dallagnol suspeitava de proteção de Moro a Flávio Bolsonaro

Troca de mensagens revelada pelo Intercept em julho passado, mostra que o coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol temia que o minstro da Justiça Sergio Moro, protegesse Flávio Bolsonaro para não desagradar ao presidente e, desta forma, não colocar em risco sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF), como tinha antecipado Jair Bolsonaro em maio deste ano.

“Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai [Bolsonaro] vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado?”, questionou o procurador na conversa com colegas.

As mensagens indicam que Dallagnol concordava com o posicionamento de outros colegas do Ministério Público Federal sobre a investigação de um esquema de corrupção no gabinete de Flávio Bolsonaro, conhecido como caso Queiroz, durante o mandato do filho do presidente Jair Bolsonaro como vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Social Liberal (PSL).

“É óbvio o q aconteceu… E agora, José?”, disse o procurador em um dos chats secretos ao qual o portal teve acesso.

Adepto a declarações midiáticas, o procurador da Lava Jato expressou estar vacilante em fazer uma condenação mais severa de Flávio Bolsonaro aos meios de comunicação e teria evitado um convite para participar do programa Fantástico (rede Globo), em janeiro deste ano, como forma de evitar perguntas sobre o caso.

Adriano da Nóbrega, Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz

No momento em que foi executado, o ex-policial militar estava escondido na fazenda de Gilsinho da Dedé, vereador do PSL em Esplanada (BA). O partido é peça-chave para entender o caso que culminou em uma mandado de prisão expedido contra Nóbrega em janeiro de 2019.

Até novembro de 2018 quando ainda era filiado ao PSL – partido do qual se desligou em outubro de 2019 – o senador Flávio Bolsonaro (sem partido), empregava a mãe e a esposa de Adriano de Nóbrega em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), pois era deputado estadual.

O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPE-RJ) aponta Nóbrega como um dos responsáveis pelo chamado “Escritório do crime”, de onde teria partido o plano para assassinar a vereadora Marielle Franco.

Homenageado por Flávio Bolsonaro na Alerj em 2003, oportunidade em que recebeu a medalha Tiradentes, mais alta honraria fluminense, Nóbrega é amigo de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador, acusado de recolher parte dos salários dos funcionários do gabinete do político, prática conhecida como “rachadinha.” Os dois trabalharam juntos no 18 Batalhão da Polícia Militar.

Ainda de acordo com a investigação do Ministério Público, as contas de Nóbrega teriam sido utilizadas por Queiroz para fazer depósitos das rachadinhas.

Rachadinha

Flávio pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj. Segundo apuração do Intercept, a partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, milícia especializada em assassinatos por encomenda.

A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.

As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares nos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos. O lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público.

O Ministério Público usou informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para indicar que Fabrício Queiroz, enquanto era assessor no gabinete de Flávio Bolsonaro, teria recebido R$ 2 milhões em sua conta, divididos em 483 depósitos.

No mesmo mandato na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), trabalharam a ex-esposa e a mãe de Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa e Raimunda Veras Magalhães, respectivamente. Elas receberam um total de R$ 1.029.042,48 em salários e repassaram R$ 203 mil para Fabrício Queiroz, respeitando o esquema estabelecido no gabinete para beneficiar o parlamentar, de acordo com a denúncia do MPE.

Ao todo, Queiroz movimentou R$ 7 milhões em três anos. Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro fez diversos depósitos e saques que somam R$ 1,2 milhão. Um dos depósitos, de R$ 24 mil, foi feito na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro, no ano de 2016.

Questionado sobre o repasse à sua esposa, Jair Bolsonaro informou que fez um empréstimo a Queiroz e o depósito seria parte do pagamento. O presidente lembrou, em entrevista, que é amigo do ex-assessor do filho desde 1984.

Escritório do Crime e família Bolsonaro

Ronnie Lessa, Élcio Queiroz, Mad, Leléo e Macaquinho estão no catálogo de matadores de aluguel do Escritório do Crime, grupo de agentes das forças de segurança que atuam na região de Rio das Pedras, zona oeste do Rio de Janeiro, há pelo menos 20 anos. Chefe da organização criminosa, Nóbrega é figura-chave para compreender diversos crimes, mas também para entender a relação do clã Bolsonaro com as milícias cariocas.

O advogado do ex-agente do Bope, Paulo Emílio Catta Preta, em entrevista ao Globo, levantou a possibilidade de que seu cliente tenha morrido por saber demais. Porém, não especificou os segredos de Nóbrega. “Ele me disse assim: ‘doutor, ninguém está aqui para me prender. Eles querem me matar. Se me prenderem, vão matar na prisão. Tenho certeza que vão me matar por queima de arquivo’. Palavras dele”, afirmou o defensor.

Confira em vídeo reportagem do Brasil de Fato que mostra relação de Bolsonaro com as milícias:

A amizade também é a natureza da relação entre Adriano da Nóbrega e Queiroz, que se conhecem desde 2003, quando serviram juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ). Justamente neste, Nóbrega recebeu a primeira homenagem de Flávio Bolsonaro na Alerj. A segunda viria em 2005, ano em que o ex-agente do Bope foi julgado e condenado por um júri popular, por conta de um homicídio. O miliciano não compareceu à premiação por estar preso.

Durante o seu julgamento, Nóbrega recebeu um apoio importante, do então deputado federal Jair Bolsonaro. Após a audiência que culminou na condenação do miliciano, o atual presidente da República foi até a tribuna da Câmara dos Deputados e defendeu o militar. “Ele sempre foi um brilhante oficial”.

Em 2007, Nóbrega recorreu da decisão e foi inocentado. Em 2013, foi expulso da PM, por conta de seu envolvimento com o jogo do bicho.

Outro importante personagem do Escritório do Crime, o major Ronald Paulo Alves, apontado por Beto Bomba como responsável por organizar o grupo de assassinos que executariam Marielle Franco e Anderson Gomes, também foi homenageado por Flávio Bolsonaro na Alerj.

Em 2004, o filho do presidente celebrou uma ação comandada por Alves que terminou com três mortes. Um ano antes, em 2003, o major teria participado da chacina de cinco jovens dentro da da boate Via Show, em São João de Meriti. Quatro policiais já foram condenados pelo caso e somente o agente condecorado por Flávio Bolsonaro ainda não foi julgado.

No último dia 15 de fevereiro, após a morte de Nóbrega, Bolsonaro foi interpelado sobre sua relação com milicianos e negou qualquer vínculo. “Eu não conheço a milícia no Rio de Janeiro. Desconheço. Não existe nenhuma ligação minha com a milícia do Rio de Janeiro”, afirmou.