Moradores de Vergel do Lago, em Maceió (AL) estão recebendo um vídeo através de mensagem com a carinha de bom moço de Luciano Huck. Resumidamente, o apresentador global diz:
“Se você mora em Vergel do Lago e está recebendo essa mensagem minha, a gente quer te ajudar. A ideia é que uma ajuda de 200 reais seja feita como crédito, tipo carteira digital. Para você fazer compras, pagar boletos. Pode confiar.”
Se você mora em Vergel do Lago, caro leitor, fique esperto.
A iniciativa é um tal Zap do Bem. Ao visitar o link, o sortudo morador da cidade alagoana saberá que “se recebeu a mensagem no seu celular falando sobre o Zap do Bem, é porque foi escolhido para fazer parte deste projeto social. Pode acreditar: esta é uma iniciativa para ajudar quem tanto precisa de apoio neste momento. Famílias foram cuidadosamente selecionadas para receber uma ajuda de um fundo de doação”.
“Você pode usar a doação que recebeu para fazer compras nos comerciantes da sua comunidade. Assim o dinheiro vai continuar circulando na sua região, ajudando todo mundo. Você pode também pagar contas como luz, telefone, comprar o gás e ainda fazer recargas no celular.”
Puxa, um ‘fundo de doação’ distribuindo dinheiro para necessitados durante a pandemia? Que coisa bonita.
Alto lá.
Um olhar menos atento pode deixar passar uma frase que está ali no meio do texto, sem destaque: “O Zap do Bem é uma conta de banco que funciona no seu celular”.
No afã em receber a ajuda, o cidadão irá preencher os passos solicitados e o primeiro deles é o que informa a necessidade de ‘abrir uma conta’. Por obvio, o passo seguinte é fornecer seus dados de CPF, data de nascimento etc. Tal qual uma conta bancária.
Concluída essa etapa, surge a mensagem que está sendo aberta uma ‘Conta Zap’ e dois links que lhe esclareceriam os termos de uso e política de privacidade. Sim esclareceriam, no condicional, pois os links não abriram no teste realizado pelo DCM.
Ou seja, o novo cliente, caso incauto, não saberá o que é uma conta Zap. Eis aqui a apresentação:
“É uma conta digital feita para facilitar o seu dia a dia. Chega de fila nos bancos, com a gente você faz tudo pelo seu celular! E o melhor: consegue fazer tudo pelo Whats.”
Então é um banco? É uma conta bancária que foi aberta? Mas conta corrente ou poupança? Entre as dúvidas frequentes, está a explicação:
“A Conta ZAP é uma conta digital de pagamento, por isso, não se configura como conta corrente ou poupança. Para realizar depósitos é só emitir um boleto e realizar o pagamento do mesmo.”
Traduzindo: é mais uma daquelas geringonças que o mundo digital propicia, mais uma iniciativa que vive no limbo ‘não é uma coisa nem outra’, tal como os aplicativos de entrega que não se responsabilizam por nada nem por ninguém.
Se não é nem uma coisa nem outra, não tem taxas? Sabe de nada, inocente.
A tabela informa que TED/DOC para outros bancos custa R$ 9,00; A emissão de boletos para pessoas físicas e jurídicas é gratuita até o limite de 5 boletos mensais para PF e 22 para PJ; O valor mínimo para emissão de boleto é de R$ 10,00 e o custo por boleto excedente é de R$ 1,50.
Demais serviços que parecem não fazer o menor sentido como ‘emissão de Cartão Zap MasterCard Internacional’ também estão ali. Afinal, vai que a ajuda de R$ 200 cai nas mãos de uma Bettina da vida, se transforma em R$ 1 milhão e ela decide viajar pelo mundo.
Mas vamos esmiuçar como se dá essa mágica toda então, caso o leitor ainda esteja desorientado.
Funciona assim: o Zap do Bem é uma parceria da Oi com a Conta Zap.
Oi = telefonia / Conta Zap = ‘instituição de meios de pagamento’.
Os R$ 200 reais creditados na conta do cidadão necessitado não podem ser sacados em espécie. Eles só se destinam a pagamentos, realizados pelo aplicativo.
Essa movimentação financeira leva o Zap a faturar com taxas e a Oi na cobrança pelo serviço de telecomunicação.
Sim, as operadoras de telefonia ganham uma porcentagem de todas essas iniciativas ‘gratuitas’ do mundo digital, do contrário já teriam falido. E as iniciativas e plataformas gratuitas são bilionárias e têm recursos para pagar por tudo isso pois vendem o que há de mais valioso: as informações sobre os usuários.
Resumindo: os R$ 200 são café pequeno perto do que essas operadoras vão faturar com a movimentação financeira. O dinheiro ‘doado’ retorna para os cofres delas.
Então, para que o ciclo se complete, é preciso que os comerciantes também estejam no ‘projeto’. E assim está informado pelo Zap do Bem:
“O seu comércio também será beneficiado pelo Zap do Bem. Mas para receber esses pagamentos, você deve abrir uma conta, se cadastrando.” Captou? É similar aos serviços da Cielo, Rede e afins.
A caminho de 2022, Luciano Huck adota estratégias à la Silvio Santos, oferecendo mixarias que voltam para seu bolso ou de seus financiadores.
Na tarde de ontem, durante painel sobre desigualdade na Brazil Conference at Harvard & MIT, o milionário Huck declarou o seguinte:
“Se você tributar a fortuna, acho que o dinheiro escapa do país.”
Precisa dizer mais alguma coisa sobre qual o projeto dele sobre quem deve pagar a conta?