Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo
POR ARTHUR STABILE
Um dia após serem filmados abordando o vendedor David Nascimento dos Santos, 23 anos, que foi encontrado morto pouco depois, policiais militares voltaram ao local da abordagem, na Favela do Areião, no Jaguaré, zona oeste da cidade de São Paulo, e mexeram na câmera que os tinha flagrado.
As imagens do segundo vídeo, a que a Ponte teve acesso, foram gravadas às 19h06 de 25 de abril, no dia seguinte à morte de David.
O jovem aguardava a entrega de um lanche, comprado no aplicativo de entregas Ifood, quando foi abordado por uma viatura do Baep (Batalhão de Operações Especiais), considerado uma tropa “estilo Rota”, em referência ao batalhão mais mortal da PM paulista. O relógio marcava 19h48.
Em vez de colocarem o vendedor no porta-malas do veículo, onde normalmente os PMs transportam pessoas suspeitas, eles colocaram David no banco de trás da viatura, conforme as imagens.
Horas mais tarde, já na madrugada do dia 25 de abril, os familiares encontraram o corpo de David. Segundo a família, tinha sinais de tortura e tiros no peito e na cabeça.
Quase 24 horas após a abordagem, um novo vídeo mostra três policiais militares aparecendo no mesmo local em que David havia sido levado pela viatura do Baep. Eles rondam o local com os cassetetes nas mãos.
Um minuto mais tarde, o trio retorna de onde veio sem ninguém abordado. Passam atrás do equipamento que registrou a ação. Às 19h09, a gravação da câmera começa a mudar de direção, quando a câmera é manipulada por u dos policiais. A pessoa que a segura estava na mesma posição para onde os PMs voltaram depois de vistoriar o local.
A mãe do rapaz, Cilene Geraldina dos Santos, 38 aos, diz que o filho foi encontrado com uma roupa diferente da que vestia quando saiu de casa. “Meu filho sumiu de bermuda e chinelo. Quando mataram eles trocaram a roupa. Foi a polícia que trocou a roupa. A calça do Corinthians nunca foi dele, nem aquele sapato”, disse à Ponte.
PMs alegam troca de tiros
O 5º DP de Osasco, cidade na Grande São Paulo, registrou a ocorrência como morte decorrente de intervenção policial, resistência e excludente de ilicitude. Os policiais alegaram que trocaram tiros com David.
Na versão oficial, policiais do Baep perseguiram quatro homens em um veículo modelo Onix na avenida Presidente Altino. Eles teriam abandonado o veículo na favela em que David morava.
Os policiais explicaram à delegada Maria Cristina da Silva Sá que foram a pé atrás dos quatro e que um deles, que estava atrás de uma moita na rua Manoel Antônio Portela, atirou depois deles se identificarem.
Este homem seria David, atingido por cinco tiros. Socorrido ao Hospital Regional de Osasco, ainda de acordo com os PMs, ele não resistiu e já chegou morto por volta das 21h35. Os PMs asseguraram que David estava uma pistola 9 mm.
A delegada apreendeu a suposta arma do jovem, além do fuzil calibre 5.56 usado pelo sargento Carlos Antonio Rodrigues do Carmo, 42 anos, e as pistolas calibre .40 dos PMs Vagner da Silva Borges, 32 anos, e Lucas dos Santos Espíndola, 33 anos.
David tinha o sonho de ser cantor de funk. Sua inspiração era o MC Kauan Coringa, que prestou uma homenagem ao saber da morte do rapaz.
Enquanto não vivia do funk, onde era conhecido como Dede ou MC 2Dêeh, ele tinha como ganha pão vender balas e doces na Marginal Pinheiros, via próxima à Favela do Areião.
“Mataram ele pela aparência. Não procuraram saber se realmente ele tinha feito algo de errado naquela noite, e pegaram o primeiro que viram”, lamenta uma amiga de infância de David. Por medo ela não quis ser identificada.
A deputada estadual Erica Maluguinho (Psol) anunciou em suas redes sociais que solicitou informações ao governo paulista se identificou a viatura e os PMs que abordaram David. “Está na conta do Estado mais uma morte de um jovem negro!”, disse a parlamentar.
Afastamento de 12 PMs
A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, administrada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), sobre as novas imagens e aguarda um posicionamento.
Anteriormente, a InPress, assessoria de imprensa terceirizada da SSP, informou à reportagem que mantinha o mesmo posicionamento dado anteriormente, no qual afirma que o vídeo “está sob análise e a Corregedoria da PM acompanha o andamento das investigações”.
Na nota, a pasta afirma que 12 PMs foram afastados da função após a morte de David – eles seguem recebendo seus salários normalmente, apenas atuando em setor administrado e não nas ruas enquanto durar a investigação do caso.
“Todas as circunstâncias relacionadas aos fatos são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pelo 93º DP (Jaguaré), responsável pela área e por meio de IPM instaurado pela Polícia Militar”, diz a SSP.
Após questionamento da Ponte, a Ouvidoria de Polícias de SP disse que foi informada sobre o caso e abrirá procedimento para acompanhar as investigações da Corregedoria da PM e da Polícia Civil.