Publicado no Vermelho
Por Egberto Magno, advogado e vice-presidente estadual do PCdoB do Maranhão
O principal argumento para quem se coloca contra a decisão liminar e monocrática do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, de tornar nulo o ato de nomeação de Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF, é o de que o Judiciário estaria invadindo prerrogativas do Poder Executivo, e que tal fato é perigoso, pois reforça o histórico recente de ativismo judicial. Suspensões da posse de Lula na Casa Civil (2016), Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho e do Emprego(2017) e Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente (2019) seriam exemplo de interferência indevida do Judiciário, o que deve ser condenado.
Os que assim entendem agem, majoritariamente, de maneira honesta, o fazem por coerência. São juristas, políticos, militantes, analistas políticos etc. Ocorre, porém, que ao comparar os casos citados, colocam sinal de igualdade fática e jurídica entre eles, conduzindo-os a conclusões que acabam sendo, com todo respeito, equivocadas. E isso ocorre porque não se atentam a observar a diferença entre prerrogativa do detentor do mandato presidencial com possibilidade de manifestação do judiciário em razão de desrespeito do chefe do executivo a Princípios da Administração Pública, no caso, os da moralidade e da impessoalidade.
A tripartição de poderes tem por finalidade estabelecer um sistema de freios e contrapesos (lembram-se daquelas balanças antigas que eram utilizadas pra comprar feijão e farinha na feira?) e assim evitar que os Poderes extrapolem os seus limites, já que, se assim não for, os Poderes tendem a ir além do que as regras lhes permitem.
O Brasil é palco, nos últimos anos, de flagrante extrapolação de poderes por parte do judiciário, com a politização da Justiça (ou ativismo judicial). Expressão mais eloquente disso foi a Operação Lava Jato que, sob o comando de Sérgio Moro cometeu absurdos jurídicos ferindo o devido processo legal, desrespeitando a presunção de inocência e condenando sem provas, como foi no caso do ex-presidente Lula. Tudo isso é verdade, mas, não confundamos alhos com bugalhos.
Para não irmos longe na comparação, limitemo-nos a equiparar a sustação da nomeação de Lula em 2016 com a do Alexandre Ramagem. O fato que embasou a sustação da nomeação de Lula foi a publicação de trechos selecionados de diálogo havido entre a então presidenta Dilma Rousseff com Lula, em que se discutia a assinatura do ato de nomeação por Dilma. Não vou nem entrar no debate acerca das ilegalidades cometidas (PF continuou fazendo as escutas, quando o STF já havia mandado parar e Moro falou trechos selecionados e vazou para a Globo, entre outras). Me deterei apenas a comparar as duas situações.
No caso da escuta de Dilma e Lula, havia algo que caracterizasse crime ou ofensa a algum princípio constitucional? Sinceramente, se formos no Google pesquisar o diálogo ali travado, veremos que não há nada de ilegal, muito menos inconstitucional. E digo mais: naquele episódio, Gilmar Mendes foi induzido a erro por Moro, pois o então juiz enviou à Corte Suprema apenas parte do material colhido na escuta, o que levou o ministro a conceder a liminar contra a nomeação e posse de Lula.
No caso presente, estamos diante da existência de provas, e de outros indícios de prova, de que o presidente Bolsonaro pretendia mudar o comando da PF para fins ilegais e/ou que ferem os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade administrativa.
No diálogo com Moro no Whatsapp, Bolsonaro diz, textualmente, após replicar matéria jornalística que informava que 12 deputados de sua base estavam sendo investigados pelo STF por estarem por trás das manifestações pelo fechamento do Congresso e do próprio Supremo: “mais um motivo para trocar”. E não há dúvida de que o assunto ali tratado era a insistência do presidente na troca de comando da PF, com clara finalidade de obstrução de justiça, tipificado no Código Penal.
Em sua manifestação no Palácio do Planalto, após a entrevista de Moro, Bolsonaro disse para todo mundo ouvir que queria trocar o diretor geral da PF para ter acesso a inquéritos em andamento naquela instituição. Como sabemos, um dos filhos de Bolsonaro (Carlos, vereador no Rio) é suspeito de coordenar o “gabinete do ódio” e de estar por trás das Fake News que deram origem à CPI no Congresso Nacional. E, ainda, tem o caso do senador Flávio Bolsonaro, envolvido com as “rachadinhas” e as milícias, objeto de investigação pela Polícia do RJ e do MPE.
Particularmente nos casos das manifestações que pedem o fechamento do Congresso e do STF e das Fake News, qual Polícia Judiciária que tem a atribuição de atuar? É a Polícia Federal! Portanto, o conjunto de provas pré-constituídas (troca de mensagem de Bolsonaro com Moro) e sua fala no Palácio do Planalto, além de indícios de prova a partir da entrevista de Moro, demonstram que Bolsonaro visava trocar o diretor da PF com a finalidade de proteger os seus filhos por meio de obstrução de investigação e de justiça, tendo agido com pessoalidade e imoralidade que são, como dissemos, princípios previstos na Constituição Federal, razão pela qual compete sim ao Supremo, uma vez provocado, se posicionar diante dos fatos.
Desse modo, considero correta a decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes envolvendo o episódio em debate, pois a nomeação de Ramagem se deu com indubitável desvio de finalidade. Não é o fato de Ramagem ser amigo dos filhos de Bolsonaro, em si, que caracteriza, a priori, a ilegalidade que impede a sua nomeação. Mas sim o liame entre o fato de haver amizade entre eles e a finalidade de sua nomeação, aí sim, prenhe de mácula, o que justifica a sustação da nomeação.
Há, ainda, uma última questão sobre a qual queria me pronunciar: o da prerrogativa do presidente nomear o diretor-geral da PF. De fato, a ele incumbe o papel de nomear, isso é indiscutível. O que se discute é se a nomeação atendeu ao regramento constitucional e legal. Vejam, todo e qualquer ato administrativo deve se pautar, como dito antes, na observância dos princípios constitucionais, entre os quais o da moralidade e o da impessoalidade.
O STF, ao sustar a nomeação, não está retirando da presidência da República a atribuição, o poder, enfim, a prerrogativa de fazê-lo, mas sim impedindo que o faça com desvio de finalidade. No presente caso, o que Bolsonaro pretendia era criar obstáculos às investigações, fato criminoso que exigiu a enérgica ação da Justiça. Portanto, não há que se confundir uma coisa com outra, posto serem distintas.