Em sua primeira grande aparição pública, após ser nomeada Secretária Especial da Cultura do Governo Jair Bolsonaro, Regina Duarte não tem um plano emergencial de socorro para o setor, minimiza as mortes durante a ditadura militar e as dos artistas vítimas de Covid-19 recentemente, além de se mostrar emocionalmente despreparada para o cargo.
A atual secretária e atriz se baseia em seu prestígio e história para estar à frente da pasta, mas quanto à ausência de manifestações públicas das recentes perdas de artistas reconhecidos da nossa cultura, justificou não querer transformar o site da Secretaria em um obituário. Regina Duarte desconsiderou o direito à MEMÓRIA como bem cultural fundamental da nossa humanidade, não por ingenuidade, mas por ocasião do governo que participa, perpetuando o que há de mais perverso em nossa história que é o apagamento cultural.
Portas de diversos comércios e serviços estão meio fechadas e meio abertas, mas os espaços culturais e de entretenimento foram os primeiros a fecharem e serão os últimos que poderão abrir. A comunidade artística tem cumprido um papel fundamental neste momento da pandemia ao promover campanhas de conscientização quanto à necessidade do isolamento social em oposição ao governo que se apresenta despreocupado com as medidas mínimas recomendadas, internacionalmente reconhecidas e difundidas pela OMS, de orientação à população quanto aos cuidados e prevenções necessárias durante esta pandemia.
Regina Duarte priorizou submeter suas propostas ao presidente antes de qualquer ação. Enquanto isso a categoria, sem conseguir qualquer diálogo com a Secretária em exercício, não pôde esperar as agendas oficiais e foi buscar soluções para colaborar com a população mais vulnerável e com os artistas e profissionais da cultura que perderam grande parte de suas fontes de subsistência. Artistas e instituições culturais seguem realizando ações sociais públicas fundamentais, como lives, vídeo aulas, encontros virtuais e vaquinhas para arrecadação de recursos destinados à população mais carente. Instituições do segmento artístico-cultural em São Paulo, como o Sated-SP e a Cooperativa Paulista de Teatro, têm prestado atendimento direto aos artistas, produtores e técnicos com distribuição de cestas básicas. Na periferia, de onde venho e onde os efeitos do coronavírus são ainda mais cruéis, ONGs e coletivos culturais estão na linha de frente das ajudas humanitárias para comunidades em situação de alta vulnerabilidade.
Sobre os avanços da pasta, nestes dois meses, a secretária apresentou como resultado a expectativa da publicação de um decreto, previsto para a próxima semana. Hoje, a Secretaria de Cultura responde formalmente a dois Ministérios: o do Turismo e o da Cidadania; com a medida passará a responder apenas ao Turismo, o que pode dar mais agilidade burocrática ao órgão. No entanto, cumpre informar que o decreto mencionado está desenhado há mais de um ano e sua possível publicação teria natural força com a entrada de qualquer novo gestor.
Além disso, apresentou duas Instruções Normativas, uma que prorroga o prazo de prestação de contas dos projetos desde que justificada a necessidade, porém este dispositivo já é comum dentro dos programas e leis existentes. Já a outra Instrução Normativa prevê a suspensão de débitos do setor, com vistas à não dispensa de funcionários, no entanto, como deveria ser de amplo conhecimento, na área cultural a maior parte dos profissionais da cultura são autônomos ou informais.
É papel do governo promover programas emergenciais de apoio às categorias mais afetadas economicamente com a crise. A Secretaria Especial da Cultura precisa apresentar um plano de apoio às artes e à cultura, envolvendo suas Entidades Vinculadas (como Funarte, Ancine, Patrimônio Histórico etc), como também promover políticas orientadoras e repasses financeiros aos Estados e Municípios.
Parte do legislativo vem cumprindo seu papel. Segue em tramitação no Estado de São Paulo o PL 253/2020, que prevê uma renda básica para trabalhadores da Cultura e subsídio para os espaços Culturais serem preservados diante da crise do covid-19. Na Câmara Federal corre em regime de urgência o PL 1075/2020, que dispõe da criação da Lei Nacional de Emergência Cultural, com concessão de benefícios aos trabalhadores, negociação de dívidas e prazos, bem como a proibição do corte de água, luz e internet para pessoas jurídicas que atuem na área. Em ambos os casos os recursos concedidos serão provenientes dos Fundos de Cultura existentes no Estado de São Paulo e na União.
Regina Duarte ainda disse que a cultura não tem partido ao mesmo tempo que relatou o impedimento de uma indicada sua ser nomeada devido a uma filiação partidária. Cultura realmente não tem partido, mas tem opinião e lado. A cultura neste país também é feita de luta.
No dia seguinte ao encontro com o presidente em que não sabia se seguiria no cargo, Regina Duarte mais uma vez cumpriu com seu papel. A ex-atriz fez uma aparição pública e afirmou que quem escolhe a equipe é o seu chefe, reiterou a justificativa de Bolsonaro em relação às suas interferências na Política Federal, por fim, deu “chilique” e destratou a imprensa, mostrando-se alinhada com a forma arrogante e autoritária que esse governo conversa com os profissionais de comunicação. O espetáculo durou 40 minutos, mas a intensidade foi de uma tragédia grega!
Gil Marçal é Gestor e produtor cultural. Foi Diretor de Cidadania da Secretaria Municipal de Cultura de SP, Diretor de Artes na Secretaria da Cultura de Osasco e Chefe da Representação Regional do Ministério da Cultura em São Paulo.