O jornalismo investigativo vai ter de entrar em campo, ou será cobrado mais adiante por omissão diante de indícios de que há muito mais do que três laudos na história dos testes de Bolsonaro.
As suspeitas são conhecidas e é razoável que seja considerada a hipótese de fraude. Esse é um governo em que a mentira virou produto de uma estrutura industrial de fake news, dentro do Planalto.
A informação mais recente, que se soma às outras dúvidas, chega a ser uma afronta. O último laudo entregue ontem ao Supremo pela Advocacia-Geral da União é precário. Não tem dados de Bolsonaro, como RG, CPF e data de nascimento.
Diz apenas que é do paciente 5. O exame foi feito na Fiocruz. Os outros dois laudos, que haviam sido encaminhados na terça-feira, têm os dados de Bolsonaro e os codinomes já conhecidos, Airton Guedes e Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz, e foram realizados no Laboratório Sabin.
Os codinomes podem ter sido aleatórios. Mas há detalhes curiosos. Por que um codinome é comum e tem apenas um sobrenome e o outro tem dois nomes e três sobrenomes?
Por que a mudança de laboratório? Por que o terceiro laudo havia sido esquecido? Por que apenas um número e sem codinome? Por que fizeram três exames?
Bolsonaro levou dois meses para divulgar os testes, desde a realização do primeiro, no dia 12 de março. Enfrentou a imprensa e a Justiça e só decidiu enviar os laudos ao Supremo porque sabia que iria perder.
Os outros testes foram realizados nos dias 14 e 17. No dia 15, um domingo, Bolsonaro foi ao encontro de uma aglomeração diante do Palácio do Planalto (foto). Aproximou-se, cumprimentou as pessoas, fez fotos com o rosto quase colado em fãs.
A suspeita de contágio continuava presente e naquele dia 15 ele deveria estar de quarentena. Por que Bolsonaro fez o terceiro teste dois depois de se misturar a essa aglomeração?
O jornalismo vai ter de desvendar os mistérios dos laudos, a começar pelo uso de codinomes. O presidente da República tinha como se proteger, sem a necessidade de falsear a própria identidade.
Os jornais terão de levar adiante a pergunta que mais incomoda: Bolsonaro usou nomes falsos porque pensava em omitir informações, caso os testes dessem resultado positivo?
Alguém pode dizer que as suspeitas acabam por envolver os profissionais dos laboratórios. É da vida. Bolsonaro está sob suspeita desde antes de assumir o governo e enfrenta uma nova suspeita por mês.
Os profissionais que prestaram serviços a ele sabem de quem se trata. O jornalismo faz perguntas e segue pistas, sem poder de polícia, com a atribuição de buscar a verdade, por mais penumbrosa que seja.
Os laudos de Bolsonaro dependem agora de um laudo de autenticidade, ou estarão sempre sob suspeita. Que o jornalismo de combate não se assuste com os Bolsonaros e faça o que deve ser feito.