Publicado originalmente no blog do autor
É mais complicada do que parece a vida dos generais no governo Bolsonaro. A famosa reunião do dia 22 de abril mostra o que eles são para Bolsonaro.
A motivação da reunião ficou dispersa em meio a ameaças, grosserias, bobagens e palavrões. Não era uma reunião de rotina do Conselho de Ministros para debater ações.
Aconteceria ali a apresentação de um plano. Um encontro especial em que o ministro Braga Netto, chefe da Casa Civil, iria brilhar.
Ele é quem abre a reunião e conta que pediu a realização do encontro a Bolsonaro. Ele é quem diz que não haveria debate de nada que não fosse o plano.
Aquele era um encontro para envolver todos os ministérios na viabilização da ideia que seria exposta.
Seria um grande acontecimento. O general conta então que era um plano de retomada do crescimento e que se chamava Pró-Brasil.
O Brasil defenderia sua economia, em meio à pandemia, com uma vigorosa estratégia estatal pensada, coordenada e operacionalizada por um general. Algo que não aconteceu nem na ditadura, quando os civis geriam os grandes projetos de macroeconomia.
Braga Netto começa a apresentar o seu plano num telão. É um plano estratégico de pelo menos 10 anos do setor público, para reerguimento da economia, com ações em todas as áreas, em infra-estrutura, indústria, agronegócios, serviços, turismo.
Um general da elite das Forças Armadas faz uma apresentação colegial. E diz:
– É um Plano Marshall brasileiro, né?
Paulo Guedes fala na sequência e aí se configura o conflito. Guedes diz que um plano de recuperação sustentado pelo governo não funcionaria, que isso era antigo, que a recuperação viria do setor
privado e não do suporte do Estado.
E esculhamba com a definição dada por Braga Netto:
– Eu queria fazer a primeira observação, é o seguinte. Não chamem de Plano Marshall porque revela um despreparo enorme.
Braga Netto, apresentado como gestor do governo, o general que convoca a reunião para apresentar seu Plano Marshall, é chamado de despreparado na frente de todo mundo.
O general não sabia que seu plano era incomparável ao Plano Marshal, o programa americano de recuperação dos aliados depois da guerra?
E não queria admitir que seu plano poderia na verdade ser uma cópia ruim do Programa de Aceleração do Crescimento de Dilma, mas nunca um Plano Marshal?
Guedes fala bastante e pisoteia no Pró-Brasil:
– Se a gente quiser acabar igual a Dilma, a gente segue esse caminho.
E a reunião segue em frente. Fala Onyx. Fala Rogério Marinho. E fala Ricardo Salles.
E aí Bolsonaro empurra a reunião para onde queria, com a sua obsessão com a proteção da própria família, com a sensação de que é sacaneado e perseguido. E diz:
– Hoje eu vi o Magno Malta me defendendo. O Magno Malta, desculpa aí, foi tratado lá atrás para ser vice.
O desculpa aí foi para Hamilton Mourão, seu vice, que estava ao lado e para quem Bolsonaro olha ao dizer a frase. Disse apenas um desculpa aí, sem citar o nome de Mourão. E por que o desculpa aí?
Bolsonaro parece ter dado uma cutucada em Mourão, com outra frase que diz mais adiante:
– Ele (Magno Malta) nunca me deu uma alfinetada e sempre tá defendendo com os problemas que ele tem.
Mourão não disse nada durante a reunião, só fez intervenções pontuais. Sua participação mais importante, na abertura do encontro, foi quando pediu a Braga Netto que mandasse que calassem a boca para que a reunião começasse.
– Dá logo um esporro.
Braga Netto, o gestor poderoso, foi destratado por Guedes. Mourão, o vice, foi tratado com um desculpa aí, quando Bolsonaro lembrou que um cara chamado Magno Malta poderia estar no lugar do general.
E a reunião virou depois o que todo mundo sabe. Em determinado momento, Bolsonaro diz gritando, sentado entre Mourão e Braga Netto, ao comentar as críticas de que participa de atos golpistas:
– Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. Ponto final.
Bolsonaro, Guedes, Weintraub, Salles, Damares, todos eles esculhambaram com a reunião que seria de Braga Netto.
Mas Braga Netto saiu do encontro de Bolsonaro e foi para uma coletiva da imprensa, como fazia todos os dias nos balanços das ações contra a pandemia. E anunciou seu programa, sem a presença de Guedes.
Com o Pró-Brasil, os militares estariam golpeando Guedes e assumindo o controle de uma nova orientação econômica. O jornalista José Paulo Kupfer, um dos principais analistas econômicos do país, colunista do UOL, escreveu:
– Mesmo antes de ganhar forma mais concreta, o Pró-Brasil é um tiro de canhão em Paulo Guedes.
Mas se descobriria logo que Braga Netto não tinha o poder que tentava vender.
Seu plano não era nem um tiro de festim. No dia seguinte, em coletiva de balanço da pandemia, com Guedes à mesa, ele e Braga Netto trocaram palavras carinhosas.
O Pró-Brasil estava enterrado. Foi desmontado em poucos dias e não existe mais. Bolsonaro não sabia do que se tratava, nunca irá entender nada do que era aquilo, mas o mercado sabia.
Guedes deveria ser protegido e fortalecido diante do desenvolvimentismo de colégio de Braga Netto.
E os generais se acomodaram. Só se manifestam quando têm de defender o governo, como Augusto Heleno fez agora, ao alertar que a possibilidade de apreensão do celular de Bolsonaro poderia ter consequências imprevisíveis.
Ninguém sabe, talvez nem eles, o que os militares são de fato no governo. São certamente empregados de Bolsonaro, que deu ocupação a 2,5 mil oficiais em cargos de confiança.
Mas são condutores de alguma linha de governo, se não há linha nenhuma? Ficarão com Bolsonaro até o fim? Quando será o fim?
Os militares talvez sejam apenas os seguranças de Bolsonaro, sempre preparados para um movimento em falso que os transforme em protagonistas. Essa é a percepção geral.
O encontro do dia 22, em que Braga Netto deveria ter sido a estrela, foi esculhambado por figuras do porte de um Abraham Weintraub.
Os generais não tinham o controle de nada do que acontecia ali, porque um Bolsonaro alucinado precisava gritar, para que não tenham dúvida, que ele ainda é o chefe supremo das Forças Armadas.