OMS ignora ameaça de Bolsonaro de deixar entidade e diplomatas veem declaração dele como “cortina de fumaça”

Atualizado em 6 de junho de 2020 às 13:50
Bolsonaro coça o nariz

O colunista do Uol Jamil Chade ouviu diplomatas em Genebra depois que Jair Bolsonaro imitou Donald Trump e ameaçou deixar a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Bolsonaro disse que a OMS tem uma diretriz “ideológica” e, por isso, a exemplo de Trump, poderia deixar a organização.

Oficialmente, a fala de Bolsonaro não foi comentada pela entidade, mas, nos bastidores, diplomatas dizem que o Brasil perderá se deixar a OMS.

Os números confirmam: enquanto os Estados Unidos respondem por 20% do orçamento da OMS, que é de 2 bilhões de dólares, o Brasil deve para a organização.

Para esses diplomatas, Bolsonaro quer levantar uma cortina de fumaça para encobrir o desastre das ações do governo brasileiro em relação à pandemia.

Veja um trecho da coluna de Chade:

Em Genebra, os comentários diante da declaração de Bolsonaro variam entre constatar o “papel ridículo” que o país assume ao repetir a mesma estratégia de Donald Trump e análises que apontam que tal gesto apenas ampliaria o isolamento internacional do país.

Fora da agência, o Brasil poderia estar excluído de um esforço internacional liderado pela OMS e europeus para garantir a produção e acesso à vacina contra a covid-19.

O governo brasileiro hesitou em fazer parte do esforço e sequer havia sido convidado para o lançamento do projeto. Mas, na semana passada, uma reunião ministerial em Brasília decidiu dar o sinal verde para que o governo solicitasse a adesão ao mecanismo.

De fato, se o Brasil imita a tática de Trump, negociadores alertam que o impacto de uma eventual saída do país da entidade não seria a mesma.

O governo americano é responsável por US$ 400 milhões de um orçamento de US$ 2 bilhões da OMS. No fundo, portanto, os americanos em parte sustentam a resposta global a diversas crises sanitárias.

O Brasil, ao contrário, é um dos beneficiários do sistema e hoje mantém uma das maiores dívidas com a entidade, de US$ 33 milhões.

“O Brasil perde mais que ganha saindo da OMS”, apontou um experiente negociador.

Hoje, é do braço da OMS nas Américas, a Organização Panamericana de Saúde, que o Brasil compra milhares de testes para a covid-19.

A negociação estipulava o envio de 10 milhões de testes ao país. Uma parte inclusive ja foi entregue. Fora da entidade, o Brasil também ficaria sem essa opção de compra.

No ano passado, foi também negociado a entrega da vacina tríplice viral ao Brasil e, em diversas crises nos últimos anos, estados do país puderam recorrer à ajuda da organização.

Durante a crise da Zika, a Opas e a OMS foram fundamentais para a resposta dada pelo país. Também foi graças ao papel dos diferentes governos na OMS que o acesso a remédios e quebra de patentes passou a ser uma realidade.

O Brasil ainda revolucionou a forma pela qual a OMS passou a lidar com o vírus do HIV. Foi também um brasileiro que, entre os anos 50 e 70, liderou a entidade e a consolidou como referência mundial.