Jornal alemão compara Bolsonaro a ditador da Coreia do Norte e diz que ele usa povo e democracia como reféns

Atualizado em 9 de junho de 2020 às 19:31

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine voltou a destacar o agravamento da crise sanitária, econômica e política do Brasil em sua edição desta terça-feira (9). Na capa do jornal, o diário se dedicou a analisar o que ocorre no momento em que o país segue registrando uma curva ascendente de casos do novo coronavírus, com quase 700 mil brasileiros infectados e mais de 36 mil mortes já confirmadas.

O jornal aponta que, enquanto enfrentam a pandemia, milhões de brasileiros perderam a renda e suas economias, e passaram a depender do apoio do governo. “A maior economia da América Latina está enfrentando uma crise econômica sem precedentes”, diz.

Venezuela e Coreia do Norte
Sem poupar nas palavras, o periódico também afirma que a situação do país poderia ser menos ruim, mas o presidente Jair Bolsonaro buscou reduzir, desde o princípio, a dimensão da crise, sem seguir conselhos do “establishment”.

“Ele ofendeu com palavrões governadores dos estados que seguiram as recomendações científicas e a experiência registrada na Europa”. Sua obsessão pela substância cloroquina custou a ele dois ministros da Saúde em quatro semanas. Desde então, um general tem sido chefe interino do ministério. Como se a pandemia pudesse desaparecer, o governo passou a não publicar mais estatísticas sobre o coronavírus desde o fim de semana, apenas os novos casos por dia, e somente após as manchetes repercutirem o caso. Estatísticas veladas são mais comuns na Venezuela ou na Coreia do Norte”, narra o jornal.

Situação política
“Diante da situação, é alarmante que as preocupações de muitos brasileiros seja, cada vez menos, a saúde ou a sobrevivência econômica, mas a estabilidade política no país. Há semanas, o presidente participa de comícios que pedem ostensivamente o fechamento da Suprema Corte e do Congresso e intervenção militar. Bolsonaro e seus apoiadores declararam instituições democráticas como inimigas – especialmente desde que investigações contra o presidente e seu entorno começaram, o que poderia resultar no afastamento do presidente”, diz adiante.

Pilares da democracia
O Frankfurter ainda narra o caos político no qual o país segue imerso, citando que em Brasília “uma instituição está se armando contra a outra”. “Embora o Congresso brasileiro seja conhecido por seu oportunismo e, embora se presuma que juízes façam um cálculo político em seus julgamentos, essas instituições [Supremo e Congresso ] são dois pilares da democracia”. “Uma das regras é que o presidente também não está acima da lei”.

O jornal diz, também, que, “sob fogo crescente, Bolsonaro passou da provocação à ameaça”. “Ele [Bolsonaro] disse que não seguiria nenhuma instrução ridícula do Supremo”. “Um aliado de Bolsonaro afirmou que o rifle de uma arma era mais poderoso que o manto do juiz. E um general alertou sobre ‘consequências imprevisíveis’ para a estabilidade do país, caso a investigação fosse longe demais”.

De acordo com o jornal, o fato de Bolsonaro se opor ao Parlamento e ao Supremo Tribunal Federal torna a “ameaça de Bolsonaro e seus seguidores contra seus inimigos ainda mais real”. “Mesmo que as ameaças de Bolsonaro sejam um blefe e a interferência violenta no estado de direito seja um cenário praticamente inconcebível, nos perguntamos o que o presidente Bolsonaro pensa sobre a democracia. Sozinho, sugerindo romper com a democracia, caso alguém se aproxime demais, ele está usando a democracia como refém – e com ela, todo o povo”, sugere o texto.

Diretas já
A publicação termina afirmando que, embora Bolsonaro continue a ter trinta por cento de respaldo do eleitorado, destes “são apenas os apoiadores mais extremistas os que participam das manifestações antidemocráticas”.

E afirma que “oponentes de Bolsonaro estão ganhando força”. “Muitos brasileiros estão começando a perceber que suas liberdades, recuperadas na década de 1980, não foram algo dado”.

“Há duas semanas, iniciativas pluripartidárias vêm ocorrendo no país, remanescentes do movimento Diretas Já, responsável pela retomada da eleição direta a presidente, em 1983, e pelo fim da ditadura militar”. “Eles vão construir um contrapeso aos “bolsonaristas”, que têm o monopólio nas ruas desde que a pandemia eclodiu*. Talvez o presidente então perceba que ele também governa para os outros setenta por cento dos brasileiros. Especialmente em uma crise como esta”.

Na primeira página de um dos principais jornais da Alemanha: Bolsonaro queima a imagem do país
Na primeira página de um dos principais jornais da Alemanha: Bolsonaro queima a imagem do país

 

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* Nota da redação: Desde o dia 31 de maio, os bolsonaristas não têm mais o monopólio das ruas.