Abordado nesta quarta por uma debilóide no Alvorada, Jair Bolsonaro falou que houve abuso na operação autorizada pelo STF contra seus aliados e que “está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”.
“Em 1970, eu já estava na luta armada e conheço tudo o que está acontecendo no Brasil. Você está falando respeitosamente comigo, sei disso. Mas tem gente que nasceu 40 anos depois do que eu vivi e quer dizer como devo governar o Brasil”, disse.
Noves fora o blefe, Bolsonaro volta a mentir sobre sua participação na repressão.
O “Palmito”, seu apelido, tinha 15 anos em 1970. Ele vive repetindo a cascata de que ajudou na caçada a Lamarca.
Em outubro de 2018, Miguel Enríquez abordou no DCM essa fake news recorrente de Bolsonaro:
Entre as diferentes patranhas proferidas por Jair Bolsonaro, candidato a presidente pelo PSL, nesta campanha eleitoral, tornou-se recorrente a de que, ainda adolescente, teve uma participação ativa na caçada empreendidas pelo Exército ao capitão Carlos Lamarca, que montara um campo de treinamento de guerrilhas no Vale da Ribeira, em São Paulo, no primeiro semestre de 1970.
Caçada infrutífera, diga-se, pois, à frente de um reduzido grupo de nove companheiros, Lamarca enfrentou e ludibriou um contingente de 2 500 soldados e oficiais do Exército, Marinha, Aeronáutica e da Força Pública (atual Polícia Militar) de São Paulo.
Fortemente armado, com helicópteros e aviões, esse contingente foi mobilizado para sua captura na chamada Operação Registro, batizada com o nome do maior município da região, comandada pelo famigerado coronel Erasmo Dias, mais tarde Secretário de Segurança paulista.
O episódio, que marca um dos momentos mais vexatórios vividos pelos militares, que durante 20 anos dominaram com mão de ferro o país, foi convenientemente silenciado pela ditadura e praticamente esquecido nos anos seguintes.
Coube a Bolsonaro resgatá-lo mais recentemente, seja em pronunciamento na Câmara dos Deputados, seja em entrevistas como a que concedeu no início da semana ao jornalista e correligionário gaúcho Rogério Mendelski, da Rádio Guaíba, de Porto Alegre, e que redundou na demissão de seu colega Juremir Machado, inconformado com o veto de Bolsonaro à participação dos demais integrante do programa.
Bolsonaro, que residia em Eldorado Paulista, no Vale da Ribeira, teria auxiliado na perseguição ao grupo de Lamarca, a despeito de sua pouca idade – apenas 15 anos.
Eldorado fora palco de um enfrentamento entre os guerrilheiros e os soldados da Força Pública, em que os primeiros levaram a melhor.
Em outras ocasiões em que se referiu ao assunto, o candidato do PSL afirmou que chegou a guiar os militares do Exército, que se concentraram em Eldorado depois do tiroteio, pelas matas da região, que conheceria como a palma da mão.
Embora não haja nenhum registro oficial dessa participação, Bolsonaro insinua que seria ele o misterioso “moleque sabido”, celebrado nos anais militares por ter efetivamente participado de um outro episódio envolvendo Lamarca.
Em reportagem de agosto deste ano, que leva o título de “Bolsonaro é o ‘moleque sabido’ que ajudou na captura de Lamarca?”, o repórter Plinio Fraga, da revista Época, reduz a pó a mistificação intentada por Bolsonaro em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, entre outras entrevistas.
No subtítulo da matéria, Fraga reponde à indagação: “Candidato repete que participou de busca a líder esquerdista, mas aproveita de mito da caserna para avolumar – enganosamente – a própria biografia.”
Segundo a reportagem, o “moleque sabido” realmente existiu, mas em Itapecerica da Serra, a 210 quilômetros de Eldorado, onde vivia a família Bolsonaro. E o fato em que esteve envolvido ocorreu em janeiro de 1969, cerca de 14 meses antes dos eventos no Vale da Ribeira.
Graças ao garoto, foram presos integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o grupo em que militava Lamarca, que pintavam um caminhão com a cor verde do Exército, num sítio no interior de Itapecerica.
O caminhão seria utilizado por Lamarca para o transporte de armamento ao desertar do quartel do 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna.
“Assim, o ‘moleque sabido’ teria dado a primeira trilha que levaria à captura de Lamarca, que só aconteceria em setembro de 1971”, diz a reportagem, numa referência à morte do chefe guerrilheiro no sertão da Bahia.
Um dos sintomas da mitomania, de que padece Bolsonaro, é que as histórias contadas não são totalmente improváveis e muitas vezes têm algum elemento de verdade.
Da mesma forma, as mentiras tendem a apresentar o mentiroso favoravelmente, apresentando-o, por exemplo, como uma pessoa fantasticamente corajosa.
Bolsonaro, de fato, vivia em Eldorado e entrou em contato com os militares que acamparam na cidade, interagindo com eles. Vendo o deslumbramento do menino com as armas e viaturas, estes o incentivaram a seguir a carreira militar, o que acabou acontecendo, ao ingressar na Academia Militar de Agulhas Negras (Aman), em 1973.
Entrevistado pelo repórter Valdir Sanches para a edição de março de 2015 da revista Crescer, publicação da editora Globo, o PM aposentado Cidernei Alves, amigo de Bolsonaro, contou que ele era conhecido pelo apelido de Palmito (branco e comprido).
Alves resumiu o que foi a convivência deles com a tropa do Exército.
“Ficávamos conversando com os militares”, disse. “Eles nos mostravam as armas. Ficávamos fascinados.” Nenhuma menção a alguma incursão pelas matas com os soldados.
No entanto, o hábito de falsificar a realidade do jovem Palmito segue intacto como componente da personalidade do chamado “mito” da extrema direita brasileira.
Prova disso é a afirmação de que seu bisavô serviu como soldado da Wehrmacht, o exército alemão, sob Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial.
Numa sessão especial da Câmara dos Deputados, realizada em novembro de 2014, em homenagem aos 70 anos do desembarque da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, o então deputado pelo PP, um dos sete em que militou nos últimos 30 anos, Bolsonaro se superou.
“A história da Força Expedicionária Brasileira é inconteste. Garantiram, fora do Brasil, a nossa democracia aqui dentro. Agradeço neste momento, também, o exército americano, tão criticado por setores de esquerda do mundo todo, em especial do nosso país”, afirmou.
O delírio vem a seguir. “Agradeço, então, ao povo americano por não estar falando alemão. Apesar de meu bisavô ser alemão e ter sido soldado de Hitler. Ele não tinha opção: era ser soldado ou paredão. Graças a Deus ele perdeu a guerra. Mas ele me contou muitas histórias que eu não vou falar aqui agora.” (…)
A mitomania parece ser uma forma de Bolsonaro minimizar suas frustrações pessoais.
Chegou ao oficialato no fim da década de 1970, quando já não mais havia “terroristas” para perseguir, prender e torturar, e a sociedade brasileira reagia com vigor à ditadura, obrigada a por em marcha o processo de “distensão lenta, gradual e segura” patrocinado pelo general Ernesto Geisel.
Não por acaso, a frustração foi compensada pela idolatria em relação ao coronel Brilhante Ustra, o torturador-mor do regime.