Publicado originalmente no site Marco Zero Conteúdo
POR INÊS CAMPELO
Na manhã desta segunda-feira, 29 de junho, a delegacia de Santo Amaro abriu as portas mais cedo para receber Sarí Corte Real. A mulher branca e rica, moradora das Torres Gêmeas, e esposa do prefeito de Tamandaré (Sérgio Hacker) é acusada de homicídio culposo – quando não há intenção de matar – na morte de Miguel Otávio, 5 anos. Criança negra, filho da trabalhadora doméstica Mirtes Renata Sousa, que deixou o menino sob os cuidados da patroa enquanto passeava com o cachorro da família.
Pouco antes das 6h, o delegado Ramon Teixeira estava a postos para colher o depoimento da acusada, que responde ao crime em liberdade após pagamento de fiança no valor de R$ 20 mil.
De acordo com nota da Polícia Civil de Pernambuco, divulgada no final da manhã, o horário pouco comum de abertura da delegacia se deu após pedido dos advogados de Sarí. “Os advogados da acusada apresentaram requerimento ao Delegado que preside o Inquérito Policial solicitando a realização do depoimento em horário mais cedo que o de início do expediente da unidade policial. Considerando os argumentos relativos à possibilidade de aglomeração de pessoas e o risco de agressão à depoente por parte de populares, o delegado deferiu o requerimento”.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) houve favorecimento à acusada no momento em que o delegado acata pedido dos advogados para ouvida acontecer antes do horário de funcionamento da delegacia.
“A OAB foi habilitada para companhar o processo, isso significa que a ouvida de hoje deveria ter sido comunicada uma vez que estamos recebendo todo material processual. Até agora, o delegado Ramón Teixeira vinha mantendo uma transparência em relação ao processo, mas na minha opinião ele deu um tiro no pé ao favorecer a investigada. Foi errado. O que a população espera de um trabalho desse é que seja claro, que seja feito o papel da justiça e ao tomar uma atitude pouco convencional, porque nós não temos conhecimento de ouvidas nesse horário, ele levanta suspeita. Esse não é um caso simples, ele tomou proporções internacionais e precisa ser transparente e justo. Foi um tiro no próprio pé, pôs em xeque a própria carreira”, explica Cláudio Ferreira.
Quanto à fiança, questionada pela sociedade, Cláudio explica estar dentro da lei, um vez que os valores são atribuídos de acordo com o caso e poder aquisitivo do acusado, e considera que o fato de Sarí Corte Real ter se apresentado em menos de 24h, tempo necessário para prisões em flagrante, contou positivamente. Caso o delegado Ramón Teixeira tivesse compreendido que foi abandono de menor incapaz seguido de morte não caberia fiança. “Como é uma interpretação da lei ela foi autuada por homicídio culposo, o que a beneficia num primeiro momento, mas não significa que não pode mudar ao fim do processo”, explica Ferreira.
Vale lembrar que, o delegado Ramón Teixeira já havia protegido a acusada quando na abertura da investigação não divulgou o nome da mesma usando o argumento da lei 13.869, ou lei do Abuso de Autoridade onde os nomes dos suspeitos de crimes em investigação deixaram de ser informados. Ele também é o delegado que já expôs suspeitos negros e incriminou trabalhador em inquérito contestado pela OAB-PE como aconteceu no caso de Wilson Xavier da Silva preso por quase um ano acusado de participar de assalto à imobiliária Jairo Rocha.
Apesar do horário estratégico para evitar “agressões”, a mãe de Miguel, Mirtes, e familiares estiveram por toda manhã na porta da delegacia aguardando a oportunidade de estar frente a frente com a responsável pela morte do filho. Em entrevista à TV Globo, Mirtes afirmou precisar olhar para Sarí pela primeira vez, depois do dia da morte de Miguel, e dizer algumas verdades engasgadas. A trabalhadora doméstica também disse “estar doente” com a morte do filho a ponto de precisar tomar remédios para dormir todas as noites. No final da manhã, Mirtes foi autorizada a entrar na delegacia e falar com Sarí. Na saída, relatou que ela era uma ingrata “ela ainda botou palavras na minha boca quando afirmou que eu estava a acusando de racismo, e eu não acusei ela”, contou Mirtes.
Entenda o caso:
O crime aconteceu no último dia 2 de junho. Embora em plena pandemia do corona vírus, as trabalhadoras doméstica da família permaneciam ocupando suas atividades. No dia do crime, Miguel acompanhara a mãe ao trabalho pois não tinha com quem ficar em casa. Vale ressaltar que, a avó materna, Marta Santana, também trabalhadora doméstica da mesma residência estava de folga, mas precisou resolver problemas burocráticos naquele dia.
Enquanto levava a cachorra para passear, Mirtes deixou Miguel aos cuidados de Sarí que, fazia as unhas e quando Miguel começou a chorar perguntando pela mãe, o colocou no elevador de serviço do prédio, sozinho, dando acesso às áreas onde ficam os condensadores de ar-condicionado do prédio. O menino desceu no 9° andar, acredita-se que ele viu a mãe na calçada e subiu na grade de proteção de um ar-condicionado, desequilibrou-se e caiu. Ao retornar do passeio, foi Mirtes uma das primeiras pessoas do condomínio a ver o filho no chão.
Poucos dias após o crime, o site do Jornal do Commercio divulgou que Mirtes era funcionária da prefeitura de Tamandaré. Após enterrar o filho Miguel, Mirtes disse em entrevistas que pediria demissão.
A família Hacker, do marido de Sarí, é tradicional da política da zona da mata sul do estado desde os anos 90. Em 1992, o patriarca José Hildo Hacker (PSDB) disputou a prefeitura de Rio Formoso com a esposa Graça Hacker como candidata à vice, já que não havia ainda a lei nepotismo. Em 1996, José Hildo Hacker (PSDB) seguiu a disputa em Serinhaém, onde foi reeleito. Nas eleições de 2000, o casal se “dividiu”. Ele foi eleito em Serinhaem, ela em Rio Formoso, onde, reeleita, governou até 2008. No período de 2009 a 2016, o filho Hildo Hacker Júnior (PSD) esteve no comando da prefeitura de Tamandaré. Atualmente, o cargo é ocupado pelo marido de Sarí, Sérgio Hacker (PSB), sobrinho do ex-prefeito Hildo Junior. Já em Rio Formoso, a prefeita é Isabel Hacker (PSB), mãe de Sérgio e irmã de Hildo.