Mercadante: Moro foi trágico para história do judiciário e da democracia

Atualizado em 6 de julho de 2020 às 14:02
Aloizio Mercadante e Sérgio Moro. Foto: AFP

O ex-ministro Aloizio Mercadante classificou, em entrevista ao Diário do Centro do Mundo, nesta segunda-feira (6/7), a atuação do ex-juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato como um capítulo trágico para a história do judiciário e da democracia brasileira. A afirmação foi feita por Mercadante ao comentar declaração de Moro de que o depoimento do ex-presidente Lula, em 2017, foi colhido como num “ringue de boxe”.

Para Mercadante, o único órgão capaz de reparar os danos e recolocar a justiça nos princípios que a Constituição Federal, o Código Penal e o Código de Processo Penal estabelecem é o Supremo Tribunal Federal. “A reconstrução do país passa também por uma revisão do judiciário e dos procedimentos. O Supremo tem essa tarefa inegociável e intransferível, porque ele é o guardião da Constituição, que é a de assegurar que a justiça seja igual para todos, independente de quem seja e de qual seja a natureza da acusação que se trata”, defendeu o ex-ministro.

Juiz parcial

Segundo o ex-ministro, a atuação parcial de Sérgio no julgamento do ex-presidente Lula violou princípios essenciais do devido processo legal. “O código do processo penal é claro. Ele diz que é nulidade do processo quando o juiz não preserva a sua imparcialidade, que é um pilar, é uma cláusula pétrea do sistema judiciário. Por isso, que a Justiça tem aquela venda, com a espada e a balança, representando que o juiz é o árbitro, ele vai arbitrar entre duas partes que vão colocar suas argumentações ao longo do processo, a acusação representada pelo Ministério Público e a defesa são os advogados constituídos pelo réu”, disse.

Mercadante pontuou que, no julgamento de Lula, o ex-juiz Moro não só articula com o Ministério Público, como orienta o Ministério Público, combina procedimentos e encaminhamentos e manda até trocar uma das pessoas da equipe do Ministério Público que vai fazer a arguição. “Isso viola abertamente a cláusula. Como é que um cidadão sozinho diante do Estado pode se defender, quando o juiz, que é o árbitro, joga no outro time? É capitão, é técnico, entra no time, troca jogadores. Não existe possibilidade de defesa. É isso que precisa ser julgado e, antes da Vaza Jato, o Lula já tinha entrado com esse recurso mostrando todo esse comportamento dele, que a cada dia fica mais visível”, afirmou.

Justiça para Lula

O ex-ministro voltou a defender a necessidade de que o Supremo Tribunal Federal julgue a parcialidade de Sérgio Moro contra Lula. “Eu espero que esse julgamento venha logo, não sei porque ainda não veio, e que se faça justiça ao presidente Lula, que passou 580 dias presos injustamente, com um processo que todos estão vendo, que depois da Vaza Jato, não há discussão”, defendeu.

“Nós precisamos reparar os direitos de um cidadão, que se chama Luiz Inácio Lula da Silva, que por acaso foi o presidente mais bem avaliado da história do Brasil e que naquele ano liderava todas as pesquisas, em todos os cenários eleitorais”, disse Mercadante.” “É evidente que o atropelo de prazos, de procedimentos, e isso tudo vai ficando cada dia mais visível, era para tirá-lo de uma disputa que, seguramente, ele venceria”, explicitou.

Relação Moro e Bolsonaro

Mercadante também argumentou que a relação do ex-juiz Sérgio Moro não era só com a acusação, mas também o com o então candidato à presidência Jair Bolsonaro. “Ele diz inclusive que o mandato do Bolsonaro se deve muito a Lava Jato. Ele militou, ele foi cabo eleitoral. Terminou a campanha, ele foi ser ministro desse governo, durante mais de ano”, diz.

Autoritarismo

Para Mercadante, todo cenário reforça a necessidade de a justiça conter o autoritarismo do Estado por dentro do Estado. “É um autoritarismo que perpassa Polícia Federal, o Ministério Público, uma parte expressiva do Judiciário e as forças armadas, cada vez mais querendo exercer a sua tutela sobre a sociedade civil, como fez ao longo da história. Isso tudo viola o estado democrático de direito. É muito importante que o Supremo contenha esse tipo de processo e de atuação. É imprescindível que o faça”, defendeu.

“Houve um esforço recente importante de contenção dos arroubos autoritários do Bolsonaro, o Supremo atuou na questão das fake news com muita veemência e na defesa do próprio Supremo. Atuou também o Congresso em algumas passagens, como na devolução de medidas provisórias. Acho que continua tendo uma contenção, a investigação das “rachadinhas” e da mítica e a prisão do Queiroz, tudo isso colocou Bolsonaro em uma defensiva visível, nem entrevista ele está dando mais, para tentar evitar um processo de impeachment, que vinha em um processo crescente muito forte, são 48 pedidos já colocados”, afirmou.

Soberania nacional

Outro capítulo classificado como muito grave e completamente ilegal por Mercadante foi a participação do FBI na Operação Lava Jato. “Um país estrangeiro não pode investigar empresas brasileiras, com um sistema do Ministério Público, da Justiça e da Polícia brasileira participando. Isso viola a prerrogativa da soberania nacional e é completamente inadmissível e também providencias precisarão ser tomadas. E nós estávamos vendo a atuação do próprio Procurador Geral da República mostrando que há arbítrios, que há iniciativas, quer dizer, aquela gravação da presidenta Dilma, que foi completamente ilegal, que o Supremo aquela vez não tomou nenhuma medida , o vazamento da delação do Palocci na véspera das eleições, totalmente injustificável, para interferir no processo eleitoral”, argumentou.

Assista a entrevista na íntegra abaixo.