Uma patrulha moral está cobrando empatia com Bolsonaro agora que ele está com suspeita de ter covid-19.
Para sermos justos, Bolsonaro deve receber o mesmo grau de respeito e carinho que dedicou aos brasileiros devastados por essa pandemia.
Não há registro de uma única manifestação decente do presidente nesse sentido.
Tudo o que ele fez foi tentar diminuir a tragédia e ridicularizar a dor.
Permitiu-se, no máximo, uma missa negra com um sanfoneiro aloprado assassinando a “Ave Maria”, de Schubert.
Enquanto o pau mandado da Embratur tocava, ele folheava papéis, alheio à gravidade que invocou. Nascia ali o nacional-sanfonismo, na definição perfeita de um jornalista português.
Num dia de recorde de óbitos, Bolsonaro resumiu sua capacidade de se enlutar.
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, reagiu ele a um repórter em frente ao Palácio da Alvorada.
A resposta arrancou risos de apoiadores e puxa-sacos.
No início da pandemia, ele chegou a chamar a covid-19 de “gripezinha”.
Debochou de velhos, vendeu a cloroquina como elixir milagroso — que ele declara estar tomando –, abraçou crianças em aglomerações.
João Moreira Salles resumiu num ensaio na Piauí:
Quando as vítimas da pandemia passaram de 5 mil, no dia 28 de abril de 2020, Jair Bolsonaro foi a um estande de tiro. No dia em que chegamos aos 10 mil mortos, ele passeou de jet ski no Lago Paranoá. Na cerimônia em que concedeu a Ordem do Mérito Naval a Abraham Weintraub e Augusto Aras, o país havia superado os 25 mil óbitos. Dois dias depois ele andou a cavalo no meio de seus apoiadores. Dali a poucas horas, quase 30 mil brasileiros já não estariam vivos por causa da doença. O presidente desconfiou dos hospitais quando os registros contabilizaram 40 mil mortos: “Arranja uma maneira de entrar e filmar”, comandou. E no fim de semana em que a conta da nossa tragédia chegou a 50 mil vidas perdidas, ele ajudou Weintraub a enganar a imigração americana.
O livro “M, o filho do século”, de Antonio Scurati, tem uma passagem pedagógica sobre uma prisão de Mussolini em 1919.
Luigi Albertini, diretor do jornal milanês Corriere della Sera, símbolo do liberalismo italiano, escreveu uma carta defendendo que Mussolini tinha que ser solto para que não se criasse “um mártir”.
O resto, como se sabe, é história.