O Bolsonaro do ‘acabou, porra!’ não existe mais. Por Moisés Mendes

Atualizado em 13 de julho de 2020 às 11:44
O presidente Jair Bolsonaro 08/05/2019 Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

A quarentena de Bolsonaro termina no dia 21, uma terça-feira, se forem cumpridas as duas semanas de isolamento desde o anúncio do teste positivo de 7 de julho.

Até lá, ele pode continuar recolhido, que é o que lhe convém desde a prisão de Queiroz e do desmonte do golpe como blefe, e fazer apenas algumas aparições pontuais e ligeiras.

Bolsonaro pode gravar vídeos, chamar o homem da gaita e fazer propaganda da cloroquina com fundo musical. Pode até fingir que está sendo Bolsonaro, enquanto aperfeiçoa o papel de infectado que não infectou ninguém do seu entorno.

Mas em algum momento Bolsonaro terá de sair do modo gaiteiro. Terá de ir à rua, circular, receber visitas, participar de eventos, discursar e, se tiver coragem, até retornar ao cercadinho da militância que o aplaudia todas as manhãs na saída do Alvorada.

Bolsonaro tem mais oito dias para planejar a volta. Seu recolhimento desativou a militância, silenciou os generais e frustrou os que levaram a sério a ameaça do ‘acabou, porra”.

Aquele ‘acabou, porra’ no cercadinho, dirigido ao Supremo, é de 28 de maio. A ameaça de chute no pau da barraca é de 17 de junho. Queiroz foi preso no dia seguinte. No dia 19, Bolsonaro enviou três ministros à casa de Alexandre de Moraes em São Paulo.

No dia 20, Dias Toffoli afirmou em palestra virtual que é um equívoco tentar ver as Forças Armadas como poder moderador. Três dias depois da bordoada do presidente do Supremo, o Globo publicou o editorial com uma mensagem a Bolsonaro e aos militares em que define as ameaças de golpe de delírio e de farsa.

Bolsonaro foi murchando, abatido pela sequência de recados que recebeu do Supremo, sugeriu uma trégua e se acovardou. O teste positivo da Covid-19 já está consagrado como parte do plano de recolhimento.

Mas Bolsonaro terá der ser Bolsonaro de novo ou inventar outro personagem quando a sua quarentena acabar. Até o dia 21, o Bolsonaro versão home office pode fazer jogo de cena e imitar o Bolsonaro do cercadinho. Mas não basta.

O desafio da volta é grandioso, não só para o chefe, mas para os subalternos, incluindo os generais. Bolsonaro mandava seu ajudante tocar gaita e os militares dançavam cantando versos com ameaças de golpe. O baile está parado.

Noticia-se todos os dias que a militância ficou desorientada com a pasmaceira e a reclusão retórica de Bolsonaro e o bloqueio de mais de 80 contas do Gabinete do Ódio pelo Facebook.

Os empresários estão inquietos. Os investidores internacionais pressionam para que algo aconteça, mesmo que não saibam o que pode e deve acontecer.

Bolsonaro não ganhou uma só batalha nas últimas duas semanas, porque nem mesmo a soltura de Queiroz pode ser comemorada.

Perdeu força e repertório. Não enfrenta a pressão das ruas, como alguns acharam que aconteceria, mas é um homem acuado pelas questões policiais da família e pela fragilidade da sustentação política.

O apoio do centrão é uma agiotagem cara e instável. O lastro militar estará intacto até quando? Bolsonaro é o fio da gambiarra que pode estourar a qualquer momento, enquanto a pandeia se alastra.

Não espere que Bolsonaro volte a prestigiar manifestações golpistas em Brasília ao lado dos seus generais ou que faça declarações ameaçadoras. Não existe mais o Bolsonaro do delírio e da farsa do golpe.

Quem quiser pode até procurar, mas aquele Bolsonaro do ‘acabou, porra’ não existe mais.