Publicado em Os Divergentes
POR HELENA CHAGAS
Como chegamos a notar aqui ( http://shorturl.at/rQV14 ), não tem muito futuro uma crise que contrapõe, de um lado, os militares do governo Bolsonaro e, de outro, o relator de um processo envolvendo o foro especial do filho do mesmo Bolsonaro no STF. Depois de dizer que os militares estariam se associando a um “genocídio” ao comandar o Ministério da Saúde, o ministro Gilmar Mendes fez alguns gestos para se explicar e falou ao telefone com Jair Bolsonaro e o general Eduardo Pazuello. Mas não se retratou nem pediu desculpas. O desdobramento mais concreto do episódio deve ser o afastamento de Pazuello, até hoje um interino, da pasta da Saúde tão logo se arrume alguém para o lugar.
É por aí que se pode concluir que Gilmar Mendes, embora alvo de uma representação do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, junto à PGR, levou a melhor nesse episódio. Antes de tudo, porque expôs o óbvio – a condução ruim das políticas do governo federal frente à pandemia – e recebeu o apoio dos mais diversos setores, inclusive da mídia. A palavra “genocídio”foi criticada como excesso, mas a essência da argumentação do ministro não foi contestada fora do Planalto. Ou alguém que não seja do governo acha e tem coragem de dizer que o Ministério da Saúde está sendo competente nas respostas ã Covid-19?
GILMAR MOSTROU QUE O REI ESTÁ NU
Com isso, Gilmar Mendes tomou a dianteira de um exército de políticos e governantes estaduais e municipais que temiam a narrativa de Bolsonaro que joga responsabilidades e culpas do impacto da pandemia sobre eles. Talvez por isso, não tenha se retratado nem pedido desculpas públicas. Gilmar mostrou que o rei está nu no Ministério da Saúde e verbalizou uma preocupação dos próprios militares da ativa: a contaminação de sua imagem pelo desgaste do governo negacionista com a Covid.
Além da reação irada da cúpula da Defesa, a exposição desse desgaste terá como consequência uma correção de rumos, que será a substituição de Pazuello o mais breve possível. O post de Jair Bolsonaro com altos elogios ao ministro interino da Saúde foi interpretado nos meios políticos como uma homenagem de despedida – e não um gesto de apoio à sua permanência. Vai fazer o que precisa, atendendo o pedido que os comandantes das Forças Armadas já vinham fazendo, já que Pazuello se recusa a passar para a reserva.
Isso atende também os interesses de Bolsonaro na conjuntura. Afinal, todos sabem que ele está mais preocupado com o recurso em que o filho Flavio pede ao STF para ser mantido em foro especial no caso Queiroz do que com os desgastes dos militares na pandemia. Esse roteiro deve incluir ainda um arquivamento da representação impetrada na PGR contra Gilmar, lá no segundo semestre, quando pouca gente se lembrar do episódio.