Por Paulo Henrique Arantes
Há um ano, Cesar Callegari disse ao DCM: “O governo Bolsonaro não tem um projeto para a educação – ele tem um projétil”. O presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, que integrou por 12 anos o Conselho Nacional de Educação, foi ouvido agora para confirmar o acerto ou reconhecer o erro de sua previsão. Ao que parece, a destruição do setor educacional está em curso.
Confira na breve entrevista a seguir, concedida a Paulo Henrique Arantes.
DCM – O “projétil” para educação de Bolsonaro naufragou ou ele vai conseguir destruir o setor?
César Callegari – Bolsonaro nunca teve uma proposta para a Educação brasileira. Ele nem sabe o que é isso. Seu único propósito é fazer do MEC uma plataforma da guerra ideológica e satisfazer o seu séquito de neofascistas. Mas, atrás desse pandemônio, há interesses poderosos, atualmente encastelados no FNDE, que é onde está o dinheiro.
DCM – Quatro ministros da Educação em um ano e meio. O atual ocupante da pasta é mais qualificado que os anteriores?
Callegari – Para Bolsonaro e as forças retrógradas que o sustentam, o que conta é a capacidade do ministro fustigar os inimigos. Entre eles, as universidades públicas, os cientistas e os professores, todos considerados de “esquerda”. Desse ponto de vista, Weibtraub foi o mais “eficiente”. Entretanto, tosco demais, já estava atrapalhando os planos do estamento militar. Por isso caiu e fugiu. Vamos ver agora como o novo ministro se comporta. Até agora ele não disse nada de importante para um sistema educacional que enfrenta um colapso por causa da pandemia. Minha esperança é zero. Nenhum educador sério pode se dispor a colaborar com um governo cujo principal mandatário defende a tortura e os torturadores e promove o genocídio.
DCM – Pandemia e futuro da educação. O ensino a distância deixará de ser uma opção e virará a regra?
Callegari – As novas tecnologias estão presentes na vida e nas escolas. É uma realidade. Mas elas devem ser utilizadas para ajudar as escolas e não para substituí-las. Escolas são territórios de afetos. Muito do que nelas aprendemos não está nos livros, mas nas relações entre os alunos e, deles, com seus professores e a comunidade. Valores, atitudes e aprendizados fundamentais como solidariedade, empatia, capacidade de trabalhar em colaboração, respeito à diversidade, consciência crítica se desenvolvem principalmente em relações presenciais, “sentindo o hálito”.
DCM – A crise não pode fazer mudar essa visão?
Callegari – Crises provocam aceleração das mudanças. Penso que o isolamento provocado pela pandemia e o intenso apelo aos recursos tecnológicos nesse período vão permitir um equilíbrio menos mistificado entre o ensino presencial e o mediado por tecnologias. Nossos padrões educacionais remontam ao século XIX. Quem sabe, finalmente chegaremos logo ao século XXI e a educação passe a ser realmente uma prioridade estratégica para os brasileiros.