As lições de minha mãe (1927-2011), lembradas na véspera de seu aniversário.
MINHA MÃE não vai ler isto que vou escrever.
É um fato da vida, e simplesmente me cabe aceitar.
Mas isso não vai me deter. Tenho escrito muito sobre meu pai, o maior homem, o maior jornalista, a maior inspiração de minha vida. E escrevi menos do que deveria sobre minha mãe, e é um erro, um entre tantos. Minha mãe nos deu, a meus irmãos e a mim, exemplos de comportamento que, se não foram inteiramente assimilados, foi por culpa dos alunos e não da mestra. Alguns deles:
# Não falar mal de ninguém, nem pela frente e nem pelas costas. Conversas com mamãe que ameaçavam desviar para maledicência morriam rapidamente pela absoluta falta de contribuição dela para fofocas. Delicamente, e é isso que mais me chama a atenção olhando para trás, ela ia minando conversas ruins.
# Levantar as pessoas com observações gentis. Quase toda gente consegue enxergar um defeito em qualquer circunstância. Uma mulher linda aparece, por exemplo, e alguém percebe que o esmalte da unha é forte demais, ou fraco demais. Mamãe foi sempre o oposto. Sempre encontrou motivos — às vezes até exagerados, é certo – para elogiar os outros. Não fui o bebê mais lindo do mundo, e não faltou em minha vida quem me lembrasse disso. Para mamãe, eu sempre fui lindo. Como mamãe sempre soube a importância dada à aparência, seus elogios se concentraram aí.
# Respeitar o espaço dos outros. Mamãe, num mundo repleto de sogras imensamente desagradáveis, fez seus genros e noras a amarem quase que como filhos. Sempre os tratou como pessoas especiais. Para nós, filhos, sempre elogiou as escolha amorosas, por menos elogiáveis que pudessem eventualmente ser. Nunca disputou território, nunca invadiu. E no entanto sempre esteve ali para nos acolher em momentos duros.
# Cuidar da aparência, mas sem esquecer o interior. Mamãe foi ao cabeleireiro uma vez por semana enquanto pôde. Jamais saiu do peso com uma estratégia que procuro adotar: pesar-se regularmente e logo fazer ajustes na dieta se a balança sugerir. Mamãe não molhava os cabelos erguidos com laquê, ao estilo dos anos 60, nem mesmo no mar. Ao mesmo tempo, sempre teve perto de si livros de poesias de autores como Manuel Bandeira, Fernando Pessoas e Carlos Drummond de Andrade.
# Chamar a atenção sem erguer a voz. Não me lembro de ter ouvido mamãe gritar com alguém. As reprimendas aos filhos sempre foram feitas num tom de voz delicado. Fui um aluno falho nessas lições cotidianas, mas não desisti. Nunca é cedo demais e nem tarde demais para fazer coisas importantes, como escreveu Epicuro.
# Não arrastar rancor. A imagem clássica de mamãe é um sorriso. Não forçado, não neurótico, não exagerado. Um sorriso doce, delicado, que traduz sua alma doce e delicada, um atributo apenas de quem, como ela, não se dedica a alimentar rancores.
# Não atribuir a ninguém a responsabilidade pelas coisas ruins. Nunca mamãe se fez de vítima, mesmo quando, eventualmente, foi.
# Suportar o fardo. Quando papai passou a etapa final de sua doença num hospital, foi mamãe quem ele quis ao lado. Ela se internou também. Minha irmã mais velha lembra que nossos únicos momentos bons, neste período, eram quando telefonávamos para mamãe no hospital para perguntar sobre o papai. Ela nos transmitia firmeza, calma, sob circunstâncias extremas. é essa fase de mamãe a que mais admiro. Quanto somos gratos a ela, meus irmãos e eu, por ter-nos feito o menos doloroso possível um episódio que dividiu nossa vida em duas, é algo além das palavras.
Minha mãe não vai ler isso que escrevi.
É um fato da vida, e simplesmente me cabe aceitar.