Publicado originalmente no Os Divergentes:
Por Helena Chagas
A imagem do presidente da República contaminado pela Covid-19, em meio a um passeio de moto pelos jardins do Alvorada, conversando sem máscara com trabalhadores que cuidavam do terreno – também sem máscara – é apenas a ponta mais visível do autoritarismo e da irresponsabilidade da administração Bolsonaro. Assim como os garis ou jardineiros que trabalhavam sem máscara nos jardins da residência oficial, milhares de outros servidores públicos são expostos diariamente à contaminação por ter que comparecer ao trabalho na Esplanada todos os dias, muitas vezes chegando lá em transporte coletivo lotado.
A parte da história que ninguém conta é a dos barnabés, os auxiliares e funcionários menos graduados, que não têm garantia de leitos nas UTIs e nem de acesso rápido a médicos e exames de tomografia. O negacionismo de Jair Bolsonaro em relação à pandemia e sua rejeição a medidas de isolamento, junto com a desorganização na gestão da máquina pública, vêm colocando milhares de vidas em risco no Distrito Federal – que entrou numa aparentemente interminável fase de aceleração de novos casos.
Bagunça na Esplanada
As diretrizes sobre o comportamento em relação à Covid-19 no serviço público federal são uma bagunça. Não há norma geral nem regras rígidas de comportamento. Alguns ministros e chefes de órgãos públicos liberaram funcionários para “home office”, sobretudo nos grupos de risco. A maioria dos titulares de ministérios não teve coragem de peitar o chefe e mandar os funcionários não essenciais trabalharem em casa. Afinal, Bolsonaro poderia se aborrecer se algum subordinado seu passasse a ideia de que o coronavírus não é só uma “gripezinha”. Da mesma forma, o cuidado dentro dos ministérios e repartições públicas é desorganizado e mínimo.
Há relatos de funcionários de ministérios que se sentem inibidos até de usar máscaras no trabalho, na medida em que seus superiores e colegas não usam. Essa situação, e mais os velhos hábitos de aglomeração em corredores e em copas e cafezinhos, ocorrem inclusive – e por que não? – no Palácio do Planalto, que botou apenas parte de seus funcionários trabalhando em casa. Lá, há 128 diagnosticados com coronavírus neste momento, sendo um deles o presidente da República.
Boa parte dos barnabés que têm sido obrigados a ir ao trabalho diariamente – e certamente os funcionários terceirizados do jardim do Alvorada também – moram nas periferias do Distrito Federal e passam boa parte do dia em ónibus cheios e metrôs. A abertura do comércio e de outras atividades certamente contribuiu para o aumento dos casos na capital federal, mas, se algum dia for feito um estudo sistematizado, é provável que se identifique o governo federal como principal propagador da Covid-19 – e responsável por suas mortes – por aqui.