Publicado originalmente na Ponte Jornalismo
Por Fausto Salvadori
Preso por homicídio, Claiton Marciano disse à Polícia Civil que atirou em jovem desarmado por ter ouvido um estampido e que mirou nas pernas
O cabo Claiton Marciano dos Santos, que tem 45 anos de idade e há 24 trabalha na Polícia Militar, afirmou, em depoimento à Polícia Civil, ao ser preso por homicídio, que atirou em um jovem desarmado pelas costas porque ouviu um estampido e ficou com medo, durante uma tentativa de abordagem.
A ação ocorreu em frente à 2ª Companhia do 29º Batalhão, em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo, na madrugada deste sábado (25/7). Baleado por Claiton, motociclista Nadson Igor Rodrigues de Miranda, 23, morreu no hospital Tide Setubal.
Claiton inicialmente disse que havia matado o jovem em legítima defesa, mas sua versão caiu por terra quando a Polícia Civil encontrou imagens de uma câmera de segurança. Ele foi preso em flagrante por homicídio doloso (quando há intenção de matar). Segundo a Polícia Civil, as imagens mostram que Nadson não ofereceu risco à segurança do policial militar.
Em depoimento no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, o policial militar disse que estava acompanhando via rádio a comunicação de que um homem em uma motocicleta roubada estava fugindo de viaturas policiais na área do 29º Batalhão. Ao perceber que o suspeito iria para as proximidades da unidade onde atua, o cabo saiu para rua. Quando ouviu o barulho da motocicleta, afirma que tentou abordar o homem.
Ainda segundo a versão do PM, o rapaz na motocicleta roubada teria ido em direção a ele, em uma tentativa de atropelamento, e depois retornou para o caminho oposto. Santos afirma que foi atrás do suspeito e efetuou “dois ou três disparos em direção à parte de baixo da motocicleta, visando atingir as pernas do indivíduo ou os pneus ou carenagem da motocicleta, com o intuito de encerrar aquela perseguição”.
O cabo ainda disse em seu depoimento que não teve a intenção de balear Nadson, “apenas de parar a motocicleta”. No entanto, depois que o rapaz parou o veículo e aparentemente iria desembarcar, Santos efetuou novo disparo pelas costas. Segundo ele, o tiro aconteceu porque teria ouvido um estampido que aparentava ser disparo de arma de fogo e não conseguia ver a mão direita de Nadson. Por isso, para “resguardar sua integridade física”, diz que atirou contra o jovem.
Santos disse para a Polícia Civil que atualmente trabalhava em serviços internos no 29º Batalhão, porque pediu para sair das atuações nas ruas por estar próximo de se aposentar, “motivo pelo qual jamais cometeria irregularidade”.
Conforme os depoimentos colhidos pela Polícia Civil, Nadson estava sendo perseguido por viaturas da Polícia Militar porque estava em uma motocicleta que havia sido roubada horas antes, na noite de sexta-feira (24). O dono da motocicleta — vítima do roubo — havia acionado a PM e, durante o patrulhamento, equipes policiais encontraram o veículo e iniciaram o acompanhamento.
Os depoimentos também indicam que em nenhum momento durante a perseguição policial teve a informação de que Nadson estaria armado. Depois que o rapaz foi baleado, as buscas dos policiais não localizaram nenhuma arma ou simulacro sob posse do jovem.
De acordo com a vítima do roubo, Nadson e um outro homem haviam chegado em um carro e o abordado. Um dos homens estaria armado e roubou, além da motocicleta, um aparelho celular. Os dois suspeitos teriam embarcado na moto roubada. Um vizinho teria informado que, pouco depois do crime, um dos homens retornou para o carro, enquanto o outro prosseguiu com a motocicleta roubada.
Depois da perseguição e da morte de Nadson, policiais envolvidos na ocorrência teriam apresentado fotos do jovem morto pelo PM à vítima, que o reconheceu como autor do assalto.
Na última sexta-feira, o Governo de São Paulo divulgou os dados de pessoas mortas por policiais militares no primeiro semestre de 2020. Segundo os dados, em seis meses, 498 pessoas foram mortas por PMs no Estado — sendo que 435 vítimas foram após supostos confrontos com policiais fardados.
Outro lado
Por meio de nota, a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo dizem que a própria PM e a Polícia Civil estão apurando todas as circunstâncias dos fatos. Foi instaurado um inquérito policial militar para atuar no esclarecimento do caso, segundo o governo paulista.
A reportagem solicitou à SSP-SP e Polícia Militar uma entrevista com o cabo da PM preso, no entanto ainda não houve retorno. A Ponte também tentou contato telefônico, por WhatsApp e por e-mail com o advogado Antônio Alexandre Dantas de Souza, que defende o PM Santos, mas não houve retorno.