Bolsonaro se dá conta de que o neoliberalismo não ganha eleição. Por Emir Sader

Atualizado em 12 de agosto de 2020 às 16:04
Bolsonaro e Guedes. Foto: Reprodução/YouTube

Entregar a economia para o Posto Ipiranga era a forma de Bolsonaro promover a centralidade do mercado, suposto fundamento do neoliberalismo. A própria nomeação do Paulo Guedes, um ultraneoliberal, foi a forma de garantir o apoio do grande empresariado e da mídia.

Mas Bolsonaro sabe que ganhou as eleições com as operações de fake news e seu estilo truculento. Essa sua diferença em relação, por exemplo, a o Alckmin, que não tinha nenhuma possibilidade de disputar com o PT.

O modelo neoliberal se centra no ajuste fiscal, não incorpora políticas sociais, nem qualquer outra forma de distribuição de renda. Faz parte do ajuste o processo de privatizações.

Depois de três vitórias eleitorais – uma com Collor, duas com FHC -, o neoliberalismo foi derrotado quatro vezes de forma consecutiva, quando os candidatos tucanos propunham pura e simplesmente a retomada do modelo do governo FHC.

O PT foi derrubado do governo pelo golpe de 2016, não por disputa eleitoral democrática, como haviam sido as de 2002, 2006, 2010 e 2014. A direita conseguiu deslocar as questões sociais, cuja centralidade havia permitido as vitórias do PT, para os seus temas: corrupção, segurança, antipolítica e antiEstado, com a rejeição ao PT permeando tudo.

Conforme o governo foi perdendo apoio, Bolsonaro foi segurando algumas iniciativas que ele considera antipopulares, como a reforma administrativa e o fim do auxílio de 600 reais, entre outros. Com a saída do Moro e o acordo com o Centrão, se introduzem novos conflitos com a política econômica, dado que os cargos cedidos ao Centrão saem do controle do Ministério da Economia, além de que a aliança no Parlamento supõe sempre dificuldades nas medidas de corte de recursos, pela necessidade de atendimento das bases do Centrão.

A crise da pandemia agudizou o problema, porque os créditos para minimizar a recessão e os auxílios de emergência afetam a política de ajuste fiscal e o próprio teto de gastos. Bolsonaro se entusiasmou com o apoio que conquistou com os 600 reais e foi se dando conta de que, se seguir a linha do Paulo Guedes, não pode dar continuidade a esses auxílios.

Quando Bolsonaro começa a centrar suas atenções na possibilidade de reeleição – e a saída do Moro acelera a atenção sobre a disputa presidencial – vai se dando conta de como a política ultraneoliberal do Paulo Guedes vai se tornando um obstáculo para a popularidade do governo.

A crise da equipe do Guedes recoloca, de forma clara, especialmente no discurso do próprio Paulo Guedes, reclamando das limitações que ele explicita, essas contradições. Quer dizer que chegou ao fim o período Paulo Guedes? Não necessariamente. Bolsonaro reafirmou o teto de gastos e a privatizações. Ele vai respeitar o teto? Veremos. Paulo Guedes renunciará? Não, é claro. Ele só é alguém no governo.

É possÍvel que essas contradições se prolonguem no tempo, com o Bolsonaro, cada vez mais, restringindo os poderes do Paulo Guedes, porque a consciência do caráter antipopular – e, portanto, limitante – do modelo neoliberal, ainda mais na sua versão ultra do Guedes, se choca com as bases populares de apoio que tanto alimentam o Bolsonaro no seu projeto de reeleição.

O modelo neoliberal é, na sua essência, antipopular e, portanto, tende a ser derrotado eleitoralmente. Mesmo quando foi vitorioso, como na eleição do Macri na Argentina, tem vida curta. Um dilema para o governo Bolsonaro que, na suas posturas aventureiras, pode até atentar contra esse modelo, com o risco de perder apoio do grande empresariado e da mídia econômica. Um dilema que, na possibilidade do Bolsonaro ir até o fim do seu mandato, o acompanhará até lá.