O texto abaixo é uma condensação de um artigo escrito por Danielle Anatólio e publicado no site Blogueiras Negras.
Emicida é um rapper, eu disse rapper, que fez uma música cheia de violência contra a mulher negra: “Essa nega é trepadeira, devia era levar uma surra de espada de São Jorge’’ Depois ele se desculpou assim: ”É apenas uma música, é ficção e poesia.”
Poesia? Música? Arte? Não há poesia, teatro, música, dança ou arte alguma que justifique o preconceito e violência contra o outro. Eu, em meus trabalhos artísticos, tenho enorme cuidado e respeito no que proponho, faço, penso e represento, isso porque estou fazendo também para o outro e porque sei que naquele momento, em cena, eu sou referência.
”Dei todo amor, tratei como flor, mas no fim era uma trepadeira. Mamãe olhou e me disse: isso aí é igual trevo de três folhas, quer comer, come, mas não dá sorte. Devia era levar uma surra de espada de São Jorge”, diz a letra. Para mim é, sim, violenta, agressiva, desrespeitosa para com a mulher, especialmente porque nesta letra, segundo as características que o músico expressa, é uma mulher negra.
Outro dia na escola em que trabalho uma aluna apanhou dos colegas (meninas e meninos) porque foi considerada ‘trepadeira’. Isso porque ela teve maturidade e independência ao assumir que transou com um rapaz e depois não quis continuar a relação com ele, iniciando nova relação com outra pessoa.
Músicas como esta de Emicida só contribuem para este tipo de mentalidade e desvalorização da mulher. Ela é tão machista quanto algumas de Zeca Pagodinho, como, por exemplo, Faixa Amarela: ”Eu quero presentear a minha linda donzela, não é prata nem é outro, é uma coisa bem singela. Mas se ela vacilar vou dar um castigo nela. Vou lhe dar uma banda de frente, quebrar cinco dentes e quatro costelas.’’
E é tão racista quanto certa música de Tiririca: “Essa nega fede, fede de lascar. Bicha fedorenta, fede mais que gambá.”
Estamos caminhando para onde? Estamos consagrando o racismo e machismo? Ah pois! Este tipo de violência (que nem todo mundo enxerga, ou melhor, não quer enxergar) me fez também lembrar que, em minha infância, Xuxa e sua trupe, em suas músicas e filmes, violentaram meus sonhos ao me dizer que eu, menina negra, não poderia ser paquita, não poderia ser atriz.
Ao fim de sua justificativa, Emicida responde às mulheres afirmando: ”Mulheres, estamos do mesmo lado”.
Não, não estamos mesmo. O lado em que estou é o que luta pela dignidade da mulher negra. O meu lado não reforça o machismo já existente; o meu lado não pode justificar o preconceito usando para isso licença poética.
Sou trepadeira: gozar não é privilégio masculino.