Publicado originalmente no site Brasil de Fato
POR IGOR CARVALHO
Encurralado por policiais militares em uma viela na frente de sua casa, o mestre de capoeira Valdenir Alves dos Santos grita “cadê meu filho?”. A cena é assistida por vizinhos e alunos do capoeirista, que reclamam com os agentes pelo uso excessivo da força. Um dos fardados, segurando uma arma, tenta intimidar. “Entra aqui pra você ver.”
Santos, que é um famoso capoeirista conhecido como Mestre Nenê, estava na rua de sua casa, também na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo (SP), na noite da última quinta-feira (19), cercado por amigos e com o filho, de 5 anos, no colo.
Por volta das 19h40, policiais da 2ª Cia do 23ª Batalhão de Polícia Militar (BPM) de Pinheiros saltaram de uma viatura com a arma na mão ordenando que todos formassem uma fila para revista.
“Naquele momento, por ter um filho no colo, o Nenê desceu a viela para deixar a criança em casa, mas os policiais foram atrás dele e tudo começou”, lembra Stefania Faro Barbosa Lima, companheira do capoeirista.
“Não esperaram ele nem entregar o menino, começaram a bater enquanto o J. [nome ocultado] estava no colo ainda, depois arrancaram nosso filho dos braços dele”, conta.
Imagens a que o Brasil de Fato teve acesso, feitas por moradores da região, mostram um cerco policial e Nenê no centro, tentando se levantar, enquanto pergunta pelo filho. Em volta, testemunhas pedem que os policiais expliquem o motivo da prisão. De acordo com Barbosa Lima, o capoeirista só foi informado sobre a acusação na 14ª DP de Pinheiros, para onde foi levado.
“Os policiais não informaram, em nenhum momento, o motivo por que o Nenê estava sendo levado. Colocaram o Nenê dentro da viatura, não avisam para onde ele está sendo levado”, afirma a companheira do atleta. Familiares e amigos só souberam do destino do capoeirista porque alguns alunos seguiram a viatura em outro veículo.
Mestre Nenê tentou, mas não pôde dar entrevista ao Brasil de Fato, pois estava temporariamente sem voz. De acordo com Barbosa Lima, “por conta do estrangulamento”. “Ele está com a garganta muito machucada ainda. Não só a garganta, mas o pé, a cabeça, o braço, enfim”, aponta a companheira do capoeirista.
Vivian Mendes, advogada do Nenê, abriu um Boletim de Ocorrência (BO) contra os policiais por abuso de autoridade. Os militares acusaram o capoeirista de tê-los agredido. Todos foram fizeram exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML).
“Não houve desacato e nem desobediência por parte do mestre. Ele estava reagindo contra uma situação flagrantemente truculenta. Por mais que a abordagem possa ser feita para averiguação, não pode haver violência”, defende Mendes.
Sem máscara
Nenê foi levado para a delegacia. Lá, foi mantido dentro da viatura por quatro horas, saindo apenas para se apresentar ao delegado. “Por conta do estado emocional do capoeirista, o seu depoimento foi adiado. Ainda não há uma data para que ele se apresente novamente”, afirma.
Era quase 21h quando Barbosa Lima chegou na delegacia para acompanhar Nenê. A companheira do capoeirista reclama da falta de proteção para prevenir a contaminação por coronavírus. “O Nenê estava dentro da viatura, sem máscara e pedindo para afrouxar as algemas. Quando eu me aproximei, ele já está com a cabeça sangrando.”
Nenê sentiu falta de ar e testemunhas afirmam que o carro “estava completamente embaçado de madrugada”. Na delegacia, a defesa do capoeirista descobriu que ele era acusado de ter roubado três celulares e três computadores na rua Wizard, também na Vila Madalena. Horas depois, a Polícia Militar prendeu os suspeitos e o capoeirista não responderá pelo crime.
“É revoltante, a única semelhança entre o Nenê e o suspeito é que são negros. São duas pessoas completamente diferentes, mas para a polícia somos iguais”, lamenta Barbosa Lima.
Mendes se recorda do que viu quando chegou à delegacia. “Ele tinha sofrido agressões por parte da Polícia Militar, tinha escoriações no rosto, na perna e na cabeça. Também tinha marcas da algema, que foi apertada muito forte e ele estava preocupado com o filho, porque a polícia apontou a arma para ele com o filho no colo e ele estava muito abalado em como tinha sido isso [para o filho].”
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não respondeu até o fechamento desta matéria.