Publicado originalmente no Brasil de Fato:
Por Lu Sudré
Cinco pessoas em situação de rua morreram na cidade de São Paulo nos últimos dois dias em decorrência do frio, de acordo com o Movimento da População de Rua do Estado de São Paulo.
A cidade registrou a menor temperatura do ano na madrugada deste sábado (22), com temperatura mínima de 8,2ºC por volta da 1h da manhã, conforme informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A queda brusca da temperatura é resultado de uma massa polar que chegou ao sul do país no início da semana.
Segundo Robson Mendonça, integrante do Movimento, quatro vítimas fatais, incluindo um deficiente físico, foram encontradas na zona central, enquanto outro morador foi encontrado morto na região do Tietê, na zona norte.
A Secretaria de Segurança Urbana da Prefeitura de São Paulo confirmou que uma mulher foi encontrada morta, por volta das 8h30, em um barraco improvisado na Praça da Sé. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) também informou que um segundo corpo foi encontrado na rua 25 de Março. As outras três mortes, porém, ainda não foram confirmadas por órgãos oficiais.
Para Mendonça, as mortes evidenciam a negligência do poder público com a população em situação de rua. Em 2019, seis mortes em decorrência do frio foram registradas.
“Pedimos para que a Prefeitura implantasse na cidade de São Paulo campings para a população de rua, onde as pessoas poderiam ficar acampadas. Doamos barracas para a população, vem a ação de zeladoria e leva as barracas, leva cobertor, leva roupa, leva tudo. Se conseguimos ter um local onde possam ficar acampados, é prevenção contra a covid e contra as baixas temperaturas porque ficariam abrigados. Mas a Prefeitura não tomou iniciativa”, denuncia, explicando que os campings seria uma medida emergencial em dias de temperaturas baixas e não uma política permanente.
Mendonça endossa que a rede de assistência da administração pública é insuficiente.
“Eles falam de 20 mil vagas ociosas na rede e culpam a população de rua de não querer ir. Se a Prefeitura acha que esses albergues que diz que tem vaga é bom pra morador de rua, por que a secretária [Assistência Social] e o prefeito não vão dormir uma noite lá? No meio da muquirana, da pulga, do carrapato, no meio da sujeira. A roupa de cama é trocada de quinze em quinze dias”, critica.
A cidade de São Paulo tem mais de 24 mil moradores de rua, segundo o último censo de realizado pela gestão Covas. O integrante do Movimento Pop. Rua reforça que além da subnofiticação apontada pelas organizações à época, o número atual deve ser bem maior devido à pandemia do coronavírus. “Muita gente não conseguiu pagar o aluguel e foi para a rua”, comenta.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o Padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, lamenta os óbitos e endossa a critica à Prefeitura. Ele relembra que, em meio à pandemia, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) recomendou ao prefeito da capital que acolhesse os sem-teto em espaços e imóveis vagos da rede hoteleira da cidade, assim como em prédios públicos municipais ociosos. O despacho assinado em maio previa urgência na criação de, no mínimo, 8 mil vagas para acolhimento.
“A resposta é muito lenta. Estava agora na Casa de Oração com moradores de rua e encontrei vários que dormiram na rua essa noite”, afirma Lancelotti.
Há décadas atuando com moradores de rua, o religioso afirma que os órgãos responsáveis não consideram a complexidade da população, principalmente das pessoas mais vulneráveis, como mulheres com filhos e população LGBT.
“O povo da rua não é carro para ter vaga. É gente, precisa de um lugar. Tem questão de território, de pertences, do local. ‘Tem uma vaga em Itaquera’. Não adianta falar isso para alguém quem está na Brasilândia. No abrigo emergencial na Mooca, eles dormiram em uma quadra. Você dormiria em uma quadra em uma noite como esta?”, questiona Lancelotti, em referência à noite mais fria do ano.
“Em muitos lugares há insalubridade, falta de condições de higiene, falta de condições dignas de sobrevivência. De limpeza, de banheiro. Como tomar um banho num local onde 50 pessoas tomaram banho?”, complementa.
Ao longo de todo o dia, o Movimento da População de Rua do Estado de São Paulo distribuirá cobertores e outros utensílios para evitar que mais mortes aconteçam caso a temperatura continue baixa.
Na opinião do padre Júlio Lancelotti, a solidariedade é central neste momento. “Estamos fazendo tudo que é possível. Todos os grupos estão na rua, estamos levando cobertores, alimentos, chocolate quente, lanches, cobertas, roupas. Só agora na Casa de Oração já foram atendidas mais de 500 pessoas nesta manhã.”
A Prefeitura foi questionada sobre as mortes e ações feitas com a população de rua nos últimos dias por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Social e Secretaria de Segurança Urbana mas ainda não obteve resposta.