Quem é quem nas eleições presidenciais nos Estados Unidos

Atualizado em 22 de agosto de 2020 às 18:58
Trump e Biden. Foto: Saul Loeb e Ronda Churchill / AFP

Publicado originalmente no Brasil de Fato:

Por Lu Sudré

No próximo dia 3 de novembro, a população dos Estados Unidos irá às urnas escolher quem ocupará a presidência pelos próximos quatro anos. A disputa entre Donald Trump, candidato à reeleição pelo partido Republicano, e Joe Biden, candidato do partido Democrata, acontecerá em meio a uma grave crise socioeconômica e de saúde pública.

O desemprego, por exemplo, alcançou níveis recordes em meio à pandemia da covid-19 e atualmente atinge 16,3 milhões. Líder global no número de casos e mortes em decorrência do novo coronavírus, o país registra mais de cinco milhões de infectados e 172 mil vítimas fatais da doença respiratória.

Neste cenário, o republicano enfrenta mais de 50% de rejeição e tem recebido duras críticas em nível internacional por sua atuação no combate à pandemia. As consequências da crise sanitária, da depressão econômica que se anuncia e da atuação na política externa pesam diretamente nos ombros do político, que manteve o nome do atual vice-presidente, Mike Pence, como candidato ao cargo na sua chapa.

Conservador clássico, Pence é ex-congressista pelo estado de Indiana e atuou em favor de leis de imigração restritivas. Como governador, assinou uma lei que permite comércios locais a se recusarem a atender homossexuais “por motivos religiosos”. Defender a prevalência da fé cristã em ações públicas, é, inclusive, uma das principais características do vice-presidente, apoiador do movimento ultra direitista Tea Party. O grupo reúne a ala mais radical do partido republicano.

A prisão de Steve Bannon, ex-assessor da Casa Branca e guru da extrema direita, deve surtir efeitos na campanha de Trump.

Já Joe Biden, o candidato à presidência pelos democratas, promete restaurar “tudo o que se perdeu” com a gestão atual caso eleito e uma resposta técnica mais efetiva aos impactos da pandemia.

Aos 77 anos, o candidato tem longa carreira política. Foi vice de Barack Obama nas duas passagens pela presidência e, anteriormente, entre 1973 e 2009, exerceu seis mandatos consecutivos como senador pelo estado de Delaware.

Porta-voz do setor moderado no partido, Biden venceu as prévias após Bernie Sanders, da ala progressista, ter retirado sua candidatura em meio ao processo de escolha interna da sigla.

O nome de Biden foi oficializado pela Convenção do partido democrata nesta semana, que  condecorou a escolha da senadora Kamala Harris como vice. Filha de mãe indiana e pai jamaicano, Harris é senadora pela Califórnia e atuou como procuradora-geral estadual desde 2011. Foi a primeira mulher a ocupar o posto no estado, assim como a primeira senadora filha de imigrantes.

A escolha de uma mulher não branca é considerada um marco diante do levante antirracista após o assassinato de George Floyd e teve grande repercussão nos Estados Unidos, agradando o campo moderado democrata e personalidades progressistas.

Mais do mesmo

Apesar da polarização declarada com Trump, analistas têm dado ênfase para a ambiguidade da candidatura democrata a partir do histórico do próprio partido e da trajetória política dos candidatos.

Na avaliação de Breno Altman, jornalista e fundador do Opera Mundi, portal voltado à cobertura internacional, ao contrário do que os democratas anunciam, “a diferença entre as candidaturas é quase sutil”.

Ele enquadra a chapa Biden-Harris no conceito de “neoliberalismo progressista”, descrito pela cientista política Nancy Fraser. “A mesma política neoliberal na economia, a mesma política imperialista, mas uma política progressista no que diz respeito aos direitos civis. Direito das mulheres, latinos, negros, e, eventualmente, algum avanço em termos de políticas públicas”, explica o jornalista.

Ou seja: apesar de apresentarem posicionamentos mais progressistas em relação aos direitos humanos e civis, no que tange a política externa e internacional a receita programática de direita é a mesma.

“Biden representa a mesma política imperialista agressiva de Trump, com risco até de um envolvimento como protagonista em certos assuntos da América Latina, como é próprio da história do partido democrata. Biden representa a política neoliberal que internamente é praticada nos Estados Unidos: a defesa dos grandes grupos empresariais”, afirma Altman.

Para ele, o favoritismo que o político apresenta no momento é uma reação às falhas de Trump. Biden, que classifica como “o democrata mais fraco desde o pós-guerra”, não estaria em vantagem caso a imagem de Trump não estivesse abalada pela péssima gestão no combate à pandemia.

“As eleições norte-americanas terão sua importância se Trump perde, não se Biden ganha. A vitória de Biden sobre Trump, que é a necessária faceta da derrota do Trump, é irrelevante em termos de mudança. Agora, a derrota de Trump traria um simbolismo importante. Representa um retrocesso para a extrema direita no mundo. Aqui no Brasil, uma derrota de Trump representaria um golpe importante para Bolsonaro, tanto no ponto de vista das alianças internacionais quanto do ponto de vista da imagem interna. A percepção de isolamento de Bolsonaro cresceria”, analisa Altman.

Representatividade

Durante a Convenção do Partido Democrata que referendou a candidatura de Biden, Kamala Harris fez um discurso com duros ataques ao republicano. A senadora afirmou que “o fracasso da liderança de Trump custou vidas” e que o atual presidente “transforma tragédias em armas políticas”.

A vice candidata citou que a população negra e latina são as mais afetadas pela pandemia e trouxe à tona a questão racial. “”Não há vacina para o racismo”, declara, dialogando com os setores mais progressistas e remanescentes do levante antirracista que se espalhou pelo mundo em junho.

Assim Biden anunciou sua vice, a representatividade de uma mulher não branca e filha de imigrantes na corrida presidencial foi destacada pela opinião pública e mídia internacional de forma extremamente positiva.

Os efeitos foram concretos: A primeira pesquisa de intenção de voto divulgada após a oficialização de Kamala, por exemplo, indicou que os democratas mantêm ao menos 10 pontos de vantagem contra Trump.

A ativista Claudia de La Cruz, diretora do The People’s Forum em Nova York ressalta a importância de uma mulher negra concorrer à vice-presidência, já que historicamente nunca houve esse espaço entre os dois partidos dominantes em um país marcado pelo racismo estrutural. O que, conforme ela frisa, não significa que Harris defenda a classe trabalhadora de fato, nem mesmo a população não branca.

“Tem simbologia, mas não envolve realmente os historicamente marginalizados. Trata-se de ‘diversidade’ e ‘representação’ sem participação significativa. Não se trata de uma verdadeira mudança. A trajetória de Harris é de alguém que odeia os pobres. Na sua posição como procuradora no estado da Califórnia, fez parte do instrumento de repressão do Estado, promovendo e aplicando leis que punham centenas de milhares de negros e jovens na prisão por delitos menores”, critica De La Cruz.

“Neste momento de revolta e luta contra a polícia e contra um Estado que viola sistematicamente os direitos dos negros, latinos e pobres, em geral, é uma enorme contradição colocar Harris na presidência. É uma enorme contradição, mas não é inacreditável. Não é inacreditável porque, no final, a questão do que é ‘simbolicamente importante’ move as pessoas”, comenta.

Breno Altman compartilha da análise e classifica Harris como “uma figura conservadora que assume uma postura demagógica neste momento”. Ele acredita que, no contexto do neoliberalismo progressista, a senadora representa um empoderamento da população negra nos Estados Unidos.

Mas em termos de agenda política “Harris funciona como uma espécie de enfeite para a chapa do Biden. Uma homenagem aos negros americanos mas ela própria é uma figura extremamente conservadora. Ela não representa nenhuma renovação no partido democrata. Não representa as posições de Bernie Sanders, dos setores mais progressistas. É um discurso retórico. Não se pode esperar nada de Harris”, opina.

Altman faz ainda uma comparação com o cenário brasileiro: Se Trump está próximo ao campo de Bolsonaro, Biden se aproxima de partidos de direitas tradicionais como PSDB e DEM.

Como funciona o pleito eleitoral?

As eleições para a presidência nos Estados Unidos ocorrem de quatro em quatro anos assim como no Brasil. No entanto, os pleitos apresentam muitas diferenças, a começar pela modalidade do voto, facultativo para os americanos.

A principal diferença se dá no caráter indireto das eleições, que significa que o voto do cidadão não é creditado diretamente ao candidato. Nos Estados Unidos, o eleitor vota em delegados de seu estado que o representarão na escolha final do futuro presidente no chamado Colégio Eleitoral.

Cada estado recebe um número de votos no Colégio Eleitoral com base no tamanho de suas populações, o que lhes dá pesos diferentes na disputa. A Califórnia, por exemplo, possui 36 milhões de habitantes e 55 delegados – o maior número entre os estados americanos. Já Washington DC possui apenas três delegados.

Ao todo, são 538 votos dos representantes eleitos nos distritos e, para vencer a eleição, o candidato deve receber 270 deles.

Porém, o número de delegados escolhidos pela população, que representa o candidato republicano ou democrata, não é proporcional ao número de votos que os presidenciáveis receberão no Colégio Eleitoral.

Com exceção do Nebraska e do Maine, onde os votos podem ser divididos, o candidato que vence nos estados fica com todos os seus delegados, independente de ter conquistado a maioria ou não dos votos da população. É o chamado “The winner takes all” (“O vencedor leva tudo”, em português).

Se um estado com 40 delegados eleger 23 representantes de um presidenciável republicano, por exemplo, todos os 40 delegados do distrito votarão no candidato republicano no Colégio Eleitoral.

Isso faz com que um candidato seja eleito mesmo sem ter a maioria absoluta de votos dos cidadãos, basta conseguir o maior número de delegados. Os representantes não são obrigados a seguir a indicação do estado mas, tradicionalmente, a obedecem.

Dessa forma, o sistema permite que no fim das eleições, o candidato A obtenha mais votos totais do que o candidato B, mas acaba derrotado no Colégio Eleitoral por ter perdido a disputa nos estados mais populosos e, por consequência, com mais delegados.

Foi o que aconteceu em 2016. A apuração mostrou que Hillary Clinton, candidata democrata, perdeu a presidência para Trump mesmo recebendo 337.636 votos a mais da população americana.

É possível analisar como cada estado vota tradicionalmente e prever quais terão maioria republicana ou democrata devido ao histórico bipartidarismo do país. Mas, em alguns estados, não há um claro favorito. São os chamados Swing States, onde o foco da campanha eleitoral é maior.

Em meio à pandemia, o voto pelo correio está no centro da debate eleitoral deste ano. De acordo com estimativas, dois terços do eleitorado democrata deve utilizar essa alternativa, o que fez com que Trump passasse a criticar a alternativa.

Apesar de Biden estar na frente de Trump nas intenções de voto, para Breno Altman, muita coisa ainda pode acontecer até o novembro. O desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19 com imunização da população em curto prazo ou sinais consolidados de recuperação da economia podem interferir. “A situação de Trump é difícil mas não é perdida”, avalia.