Publicado originalmente no Tijolaço:
Por Fernando Brito
Basta ler as portarias que, até agora, regulavam o aborto legal (Portaria Nº 1.508, de 1º de setembro de 2005 e Portaria de Consolidação Nº 5. de 28 de setembro de 2017) e a editada hoje pelo Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello para ver que, no essencial, o que há, nesta, de “inovação” no texto não se deve à mudança da lei que, ano passado, deixou de condicionar a ação penal por estupro ao desejo da vítima de registrar a queixa.
Há, de fato, uma diferença plausível – embora discutível a sua compulsoriedade – ao obrigar os médicos a comunicação à autoridade policial, pois o estupro passou a ser crime que não depende mais de que a vítima preste queixa (exceto quando era menor, em que a ação já era incondicionada), embora uma das providências tenha sido redigida de forma absolutamente aterrorizante: ” preservar (…) fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime”. A lei que cria o banco de dados genéticos, de 2012, fala, muito mais discretamente , em “coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.”
No resto, a portaria é praticamente igual às anteriores, salvo por um requinte de crueldade, ao tornar obrigatório o oferecimento à vitima de estupro da possibilidade de ver, por ultrassonografia, o embrião ou feto que resultou do abuso sexual que sofreu e cujo trauma deseja amenizar com o aborto que a lei garante (aliás, garante desde 1940).
Submeter uma mulher violentada a isso tem um nome: tortura psicológica.
Nada impediria que, se assim o desejasse, pedisse o exame. Mas induzir uma mulher (por muitas vezes uma adolescente ou mesmo uma criança) que foi brutalmente obrigada a ser objeto de uma monstruosidade destas é algo que só passa pela cabeça de gente má e fanática, que quer obrigar outra pessoa às regras de seu fundamentalismo.
Quer dizer que o general valentão do Ministério da Saúde – sabe-se lá se emprenhado pela inacreditável Damares Alves – que obrigar a mulher – ou a menina! – a sofrer mais? É indigno da piedade que se deve ter mesmo nos atos mais cruéis de uma guerra, o fuzilamento, onde ao condenado dá-se uma venda, para num mínimo de piedade que se deve a um ser humano.