A cada novo detalhe noticiado, o caso Flordelis se revela mais absurdo e estarrecedor, no pior dos sentidos.
Cada manchete é uma interjeição de incredibilidade do brasileiro médio (mesmo daqueles que sabem que pastores-deputados, em geral, não são flor que se cheire, com o perdão do trocadilho barato e irresistível).
Caso você não esteja inteirado acerca do “Game of Thrones” neopentecostal (o que é, aliás, bastante improvável, se você vive no Brasil), eis a sua oportunidade: a pastora evangélica e deputada no Rio de Janeiro, defensora da moral e dos bons costumes, foi investigada pela polícia civil que concluiu ter sido ela a mandante do assassinato de seu marido, o também pastor Anderson do Carmo, morto em 2019 com mais de 30 tiros.
A odisseia de orgias, envenenamentos e traição da Rainha Cersei tupiniquim tem ainda muitos outros detalhes sórdidos: dois dos 55 filhos (biológicos e adotados) de Flordelis e Anderson são apontados como executores do crime; recentemente, em agosto de 2020, mais cinco filhos e uma neta da pastora foram presos sob acusações de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa majorada.
Anderson era “filho adotivo” de Flordelis antes de se casar com ela, e namorou também sua filha biológica, Simone dos Santos Rodrigues, que tentou envenená-lo em diversas ocasiões desde que ele se casara com sua mãe. As testemunhas revelaram ainda que fiéis eram atraídos à casa de Flordelis para praticarem sexo com a Deputada.
E não se trata apenas de um estilo de vida, digamos, liberal. Para o delegado Allan Duarte, responsável pelo caso, o buraco é mais embaixo: o que Flordelis chama de “família” é, na verdade, uma organização criminosa (desconfio que seja este o verdadeiro conceito de Família Tradicional Brasileira adotado pelos conservadores).
Por falar em conservadores, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso divulgou nota nesta quinta-feira, 3, em que diz considerar “reprovável e repugnante” o comportamento “daqueles que tentam nivelar o segmento evangélico do Brasil pelo ocorrido com a deputada federal Flordelis (PSD-RJ)”.
Observe: um membro da comunidade evangélica é acusado de mandar assasinar o marido, promover orgias com os fiéis e manter uma organização criminosa sob o disfarce de família, e tudo o que a bancada evangélica tem a dizer é “não vamos deixar que essa merda respingue em nós.” Em vez de repudiarem Flordelis, repudiam quem repudia Flordelis.
Façam-me uma garapa.
Não há evangélico respeitável no Brasil de 2020, exceto aqueles que questionam a sordidez do que chamam de comunidade: os assassinatos, os abusos sexuais, e exploração da fé, a lavagem de dinheiro, a neocolonização das comunidades tradicionais, o falso moralismo, a associação explícita ao fascismo.
Sim, cada membro da bancada evangélica no Congresso Nacional responde moral e politicamente pelas atrocidades de Flordelis, porque ela os representa duas vezes – sendo pastora e sendo deputada. Ela representa uma comunidade evangélica hipócrita, sórdida e sedenta por poder.
Não importa quantas notas de repúdio a Frente Parlamentar Evangélica publique: nós sabemos que Flordelis está longe de ser uma exceção.