Por que Fachin já deveria ter deixado a relatoria dos casos de Lula e de toda Lava Jato no STF. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 9 de setembro de 2020 às 7:08
Lewandowski e Fachin

A defesa de Lula estuda pedir ao STF que a relatoria dos casos que envolvem o ex-presidente seja transferida de Luiz Edson Fachin para Ricardo Lewandowski.

Demorou.

Há cerca de um mês, publicamos aqui as razões regimentais para que Fachin deixe de ser relator não apenas dos casos de Lula, mas de toda Lava Jato.

O inciso II do artigo 38 do Regimento do STF determina que, em caso de ser vencido em seu voto, o relator deixe suas funções em benefício do ministro que tenha puxado a divergência vencedora.

É o caso de Ricardo Lewandowski, em mais de uma oportunidade, quando Fachin foi acompanhado apenas do voto de Cármem Lúcia e derrotado por Gilmar Mendes e Celso de Mello, além de Lewandowski.

Sobre troca do relator, o Regimento do STF é muito parecido com o do STJ, que foi usado, em dezembro de 2015, para substituir o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, responsável pela relatoria da operação naquela corte.

Era o auge da Lava Jato e algumas decisões de Ribeiro Dantas contrariavam Sergio Moro, visto por setores da sociedade na época como o super magistrado do Brasil.

No caso, o relator Ribeiro Dantas foi voto vencido numa ação em que executivos da empreiteira Andrade Gutierrez pediram para que a prisão preventiva fosse cumprida em regime domiciliar, com tornozeleira eletrônica.

Ribeiro Dantas concordou, mas os demais ministros da 5a. Turma do STJ, não. Um mês depois, o próprio ministro comunicou que estava deixando a relatoria da Lava Jato.

Assumiu então Félix Fischer, que é do Paraná, o Estado de Moro.

Em 5 de agosto, Fachin foi derrotado em duas ações movidas pela defesa do ex-presidente Lula.

Na primeira, a Reclamação de número 33543, Ricardo Lewandowski abriu divergência de Fachin ao autorizar os advogados de Lula a ter acesso aos documentos do acordo de leniência da Odebrecht.

Lewandowski reconheceu que há “sérios indícios de inidoneidade” no material que as instâncias inferiores do Judiciário disponibilizaram.

São documentos que teriam sido fraudados ou que não guardariam relação com arquivos digitais originais, extraídos de servidores na Suíça.

Gilmar Mendes acompanhou o voto de Lewandowski.

Na outra ação, o Habeas Corpus 163943, Lewandowski também divergiu de Fachin quanto ao uso da delação de Antônio Palocci nos processos conduzidos por Sergio Moro.

Eis o registro no site no STF:

“Segundo o ministro Lewandowski, que abriu a divergência vencedora, o então juiz federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, ao levantar o sigilo do termo de colaboração de Palocci, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial e após o encerramento da instrução processual, ‘para além de influenciar, de forma direta e relevante, o resultado da disputa eleitoral’, violou o sistema acusatório e as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Segundo Lewandowski, a determinação da juntada dos termos de colaboração, com o intuito de gerar, ‘ao que tudo indica’, um fato político, caracteriza ‘inequívoca quebra da imparcialidade’”.

Para Lewandowski, em razão do parcialidade de Moro, a delação de Palocci é imprestável para ser usado nos casos de Lula, tratado por Moro como adversário.

Se o STF aplicasse o Regimento Interno, como fez o STJ no auge da Lava Jato, Fachin deveria entregar a relatoria da operação para Lewandowski, que puxou a divergência e redigiria o acórdão vencedor.

Mas não se espere nobreza de Fachin. Desde que Dallagnol teve uma conversa com ele, em 13 de julho de 2015, os procuradores da Lava Jato já sabem que o ministro do STF é deles.

O coordenador da força-tarefa é que comunicou aos colegas, por meio do aplicativo Telegram: “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso.”

Em janeiro de 2017, quando Teori Zavascki morreu no acidente de avião em Paraty, Fachin correu para se apresentar à então presidente do STF, Carmem Lúcia, para deixar a Primeira Turma da corte e ir para a Segunda, no lugar de Teori.

Assim, ele assumiu a relatoria da Lava Jato, estabelecendo uma relação que é difícil acreditar que seja apenas resultado de coincidência.

De Moro (agora Luiz Antonio Bonat/Gabriela Hardt) ao topo do Judiciário brasileiro, todos os magistrados com papel central na Lava Jato são do Estado do Paraná.

Coincidências existem, mas é estranho, principalmente por se considerar que os casos da Lava Jato nem deveriam estar no Paraná, por não haver competência legal que justifique.

A decisão de hoje deve ser vista como um movimento necessário para a recuperação da democracia plena no Brasil, que só ocorrerá com a devolução dos direitos políticos a Lula, condenado em um processo em que não havia juiz, mas rival com pretensões políticas.