Por Vinícius Segalla
O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) emprega em seu gabinete, com cargo de secretário parlamentar em período integral, dois advogados que atendem em advocacia privada o Movimento Brasil Livre e seus principais líderes, como o deputado estadual e candidato a prefeito de São Paulo, Arthur Moledo do Val (Patriota-SP), e o vereador Fernando Holiday (Patriota-SP).
Seus nomes são Rubens Alberto Gatti Nunes (conhecido como “Rubinho”) e Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli. Os dois advogados, antes de trabalharem para Kim, com salário provido com verba pública para atuar no serviço parlamentar federal, eram contratados do vereador Holiday, para tratar dos assuntos públicos do município de São Paulo, pagos igualmente com dinheiro público.
Em todos os casos, sejam contratados de um gabinete parlamentar em Brasília ou em São Paulo, sempre encontraram tempo, atuaram e seguem atuando na advocacia privada defendendo figuras como Holiday e do Val, na Justiça de São Paulo e em Brasília.
A pergunta sobre se tal arranjo é ilegal se desdobra em perguntas como: os advogados estão trabalhando nessas causas durante o tempo de trabalho que deveriam estar dedicando ao serviço público, dos quais são contratados em período integral?
Os advogados fazem uso de espaço, equipamento de trabalho ou recursos (energia elétrica, papel, auxílio de outros funcionários) públicos para desenvolverem as atividades em paralelo que tocam junto ao serviço público, para o qual são contratados?
Abaixo, a situação de cada um dos casos na medida que se pode enxergar por meio de dados públicos da Justiça, da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Vereadores de São Paulo.
1 – Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli
O advogado foi nomeado por Fernando Holiday no mesmo dia em que seu colega Rubinho também se tornou um assessor parlamentar: 10 de agosto de 2018, como consta no Diário Oficial do Município daquela data. Como se vê, o apelidado “Rubinho” era chefe de gabinete, e Panelli era coordenador especial de gabinete. As remunerações para os dois cargos variam de R$ 10 mil a R$ 18 mil.
Na mesma imagem, é possível identificar a nomeação de Eric Balbino de Abreu, que já havia sido identificado como proprietário de site difamatório em setembro de 2017, quando era supervisor de Cultura da Subprefeitura Regional da Sé (clique aqui).
Panelli seguiu como funcionário de Holiday e do povo da cidade de São Paulo até o dia 2 de julho deste ano, quando foi exonerado a pedido. Antes disso, no dia 8 de fevereiro de 2019, ele foi promovido a chefe de gabinete de Holiday, exatamente quando Rubinho, o ex-ocupante do cargo, se mudou para Brasília – ou, pelo menos, passou a trabalhar oficialmente em Brasília -, para atuar no gabinete do deputado Kim Kataguiri.
No dia 29 de julho deste ano, ainda no mesmo mês que deixara o gabinete de Holiday, Panelli seguiu o caminho de seu predecessor, e foi também trabalhar no gabinete de Kim em Brasília, como consta em publicação do Diário Oficial daquele dia. Seu salário atual é de R$ 11,9 mil.
Nenhuma das duas tarefas, em São Paulo ou em Brasília, impediu Panelli de trabalhar em casos privados, com a peculiaridade de serem sempre ligados ao MBL ou os seus membros. No dia 9 de março deste ano, por exemplo, quando ainda trabalhava no gabinete de Fernando Holiday, o advogado tomou para si uma causa particular do – veja só! – próprio vereador Fernando Holiday.
Uma ação de danos morais contra o humorista Gregório Duvivier, processo número 1003071-47.2020.8.26.0016, desatrelado das atividades parlamentares do patriota.
Como se pode ver abaixo, trata-se de uma causa pessoal do vereador, na qual o único representante legal autorizado a atuar é Panelli, o funcionário de gabinete de Holiday.
O processo segue em andamento, e Panelli, em que pese deva estar morando em Brasília para exercer sua atividade parlamentar no gabinete do deputado Kim, mantém-se como único representante legal de Holiday.
A última vez em que protocolou na ação foi no dia 18 de agosto deste ano, por meio de uma petição chamada “Manifestação sobre a Contestação”. Não se trata de uma peça processual indispensável, seu peticionamento mostra a atenção e o tempo que o causídico dedica à causa.
2 – Rubens Alberto Gatti Nunes, o “Rubinho”
Panelli não atua apenas como advogado único nas causas do MBL e seus membros. O processo 1038986-02.2020.8.26.0100, que corre na Justiça de São Paulo, por exemplo, é movido pelo Movimento Renovação Liberal, ou MRL.
O MRL é uma pessoa jurídica de direito privado, cujos donos são os irmãos de Renan Santos, um dos coordenadores nacionais do MBL. A ligação entre as duas entidades é propositalmente nebulosa, conforme já se divulgou em inúmeras reportagens veiculadas na imprensa.
De qualquer forma, na ação judicial citada acima, que teve início em 13 de maio deste ano, cujo autor é o MRL e cujo acusado é o jornalista Luis Nassif, os dois únicos representantes legais da entidade de Kataguiri são seus dois assessores parlamentares, Luiz Panelli e Rubens Alberto Gatti Nunes, também chamado de “Rubinho”.
Como se pode ver, os dois mantêm escritório conjunto em São Paulo (em que pese que “Rubinho” já era funcionário de Kim em Brasília na data de início do processo).
Os advogados e servidores da Câmara, ainda que estejam em pleno trabalho no gabinete de Kataguiri, tampouco abandonaram a presente ação judicial. No dia 2 deste mês, por exemplo, protocolaram um “Embargo Declaratório”, recurso que a parte pode oferecer ou não antes de levar o caso para a segunda instância da Justiça. Novamente, aponta a vigilância com que se dedicam ao processo.
O advogado Nunes – ou “Rubinho”, como é chamado – atende também causas particulares do deputado Arthur Moledo do Val, que ganhou fama como o youtuber “Mamãe Falei”. Atualmente, é deputado estadual pelo Patriotas, após ter sido expulso do Democratas, partido pelo qual se elegeu. É pré-candidato à prefeitura de São Paulo.
O processo 1050210-34.2020.8.26.0100 foi protocolado no Foro Central Cível de São Paulo pelo assim chamado “Rubinho” no dia 14 de março de 2019, como advogado e único representante legal do deputado “Mamãe Falei”. É uma ação por danos morais contra o site Catraca Livre, que Nunes tomou para si quando era assessor parlamentar de Fernando Holiday.
Em 9 de setembro de 2019, “Rubinho” foi trabalhar no gabinete de Kataguiri em Brasília, o que em nada alterou seu trabalho na causa jurídica de Mamãe Falei em São Paulo.
Pelo contrário, no dia 11 de junho deste ano, apresentou nova procuração à Justiça, estendendo no tempo seus préstimos como representante legal de “Mamãe Falei” no processo contra o Catraca Livre, atendendo ainda em um escritório em São Paulo – e não em Brasília, onde supostamente reside -, mas já em endereço profissional diferente daquele que mantinha com o colega de gabinete Luiz Pinalli.
A reportagem poderia discorrer por mais ainda, pelo menos, oito processos judiciais a que se dedicam os assessores parlamentares de Kim Kataguiri que nada têm a ver com as atividades para as quais são remunerados pelo contribuinte brasileiro. Todos ativos, correntes e ligados ao MBL, ao MRL ou algum(ns) de seu(s) coordenador(res) nacional(is).