No último dia 20 de agosto, às 7 da manhã, o médico indiano Narendra Dabholkar fazia sua caminhada costumeira quando dois homens o abordaram numa moto. Atiraram quatro vezes e fugiram. Dabholkar tinha 67 anos. Ninguém foi preso. A razão do assassinato: Dabholkar era ateu.
A polícia chegou ao nome de Sandeep Shinde, um dos líderes de uma organização de extrema-direita hinduísta chamada Sanatan Sanstha. Eles falam em converter a Índia num “reino divino” e de “destruiu o mal por todos os meios possíveis”.
Narendra Dabholkar se dedicava a tentar livrar a Índia da superstição. Num país com milhões de deuses, é um desafio sobrehumano. Ele expôs charlatães que praticavam curas milagrosas, hipnotistas, numerólogos e os mais diversos absurdos cometidos em nome de divindidades. Batalhou durante anos para que uma lei anti-magia negra fosse aprovada no país.
Quando da morte de Dabholkar, os membros do Sanatan Sanstha declararam, em seu site, que “todos recebem o fruto de seu karma”. É mais ou menos o que seu amigo religioso diz quando fica sabendo que um conhecido está com câncer. O site do Sanatan Sanstha foi tirado do ar — supostamente, por problemas técnicos.
Dabholkar não era um ateísta militante. Dedicava-se a essa causa porque achava que seus compatriotas mereciam uma chance de se livrar de picaretas. Numa palestra, disse o seguinte: “Eu não estou dizendo que não há Deus. Acredite em Deus. Mas não carregue superstições no coração. Leve apenas Deus no coração”.
O Brasil não tem, que se saiba, nenhuma organização radical como as da Índia. Mas tem fanáticos que pregam o ódio diuturnamente. Pense no poder de um pastor dizendo a suas ovelhas que o candomblé, ou o quer que vá contra suas intenções, é obra do capeta. Ou que gays precisam ser curados. Ou que John Lennon mereceu morrer. Não faz muito tempo um estudante de Minas Gerais sofreu bullying por ter se recusado a rezar o “Pai Nosso” na escola. A professor afirmou que Ciel Vieira, de 17 anos, não tinha Deus no coração e “nunca será nada na vida”.
Por aqui, sua vida fica mais fácil se, ao ser perguntado num bar ou numa entrevista de emprego se acredita em Deus, você disser que sim. Dá menos trabalho ficar no armário — e, no final das contas, é mais seguro.