“Perigosa situação da Amazônia e dos indígenas”: o discurso do Papa na ONU que enlouqueceu os bolsonaristas

Atualizado em 26 de setembro de 2020 às 11:08
Papa Francisco

Do Vatican News, o discurso do Papa na ONU que está enlouquecendo os bolsonaristas:

Coronavírus, desigualdade, perseguição religiosa, armas, Amazônia e família: estes são alguns dos temas tratados pelo Papa Francisco no seu pronunciamento na 75° Assembleia Geral das Nações Unidas.

Assim como fizeram outros líderes de Estado e de governo, a participação do Pontífice foi virtual, através de uma videomensagem gravada no Vaticano.

O discurso durou pouco mais de 26 minutos, durante os quais Francisco tocou os principais temas da atualidade, começando com o mais urgente e abrangente: a pandemia da Covid-19.

A crise sanitária nos levou a uma encruzilhada: ou enveredamos pelo caminho de uma renovada corresponsabilidade e solidariedade mundial ou percorremos a estrada do isolamento e deixamos de lado os mais vulneráveis. “Esta segunda opção não deve prevalecer”, advertiu Francisco.

O Pontífice então renovou seu apelo aos responsáveis políticos e ao setor privado para que tomem as medidas adequadas para garantir o acesso às vacinas contra a COVID-19. “Se tiver que privilegiar alguém, que seja o mais pobre”, afirmou.

Humanidade violada

Ao falar sobre as consequências da pandemia, o Papa se mostrou particularmente preocupado com os trabalhadores, que perdem sempre mais espaço para a “robotização”.

“A solidariedade não pode ser uma palavra ou uma promessa vazia”, disse, acrescentando ser necessário encontrar novas formas de trabalho capazes de satisfazer o potencial humano, no respeito da sua dignidade. Em outras palavras, é necessário um “marco ético” mais forte.

A este ponto, Francisco usou uma das expressões mais enfáticas do seu discurso ao afirmar que a cultura do descarte hoje em vigor é um “atentado contra a humanidade”.

“De fato, é doloroso ver quantos direitos fundamentais continuam sendo violados com impunidade. A lista dessas violações é muito extensa e nos mostra a terrível imagem de uma humanidade violada, ferida, sem dignidade, liberdade e possibilidade de desenvolvimento.”

Nesta lista de violações, Francisco incluiu a perseguição religiosa, que pode resultar em genocídio. Entre as vítimas, estão também cristãos: “quantos sofrem ao redor do mundo, às vezes obrigados a deixar suas terras ancestrais, isolados de sua rica história e cultura”.

Este atentado contra a humanidade produz conflitos por toda a parte, “crises humanitárias se transformaram no statu quo, onde os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal não estão garantidos”.

Muitos desses conflitos provocam migração forçada, em que os deslocados sofrem violações nos países de origem, trânsito e destino. “Isso é intolerável, todavia, hoje é uma realidade que muitos ignoram intencionalmente!”, denunciou o Papa, pedindo o respeito dos tratados internacionais.

A Amazônia e a crise ambiental

Outros temas mencionados pelo Pontífice foram o da desigualdade social – e o crescente abismo entre ricos e pobres – e a injustiça econômica. Mais uma vez, pediu a redução ou abolição da dívida externa dos países mais pobres. “Este é o tempo propício para renovar a arquitetura financeira internacional”, afirmou.

Para falar de outra crise – a ambiental – o Papa citou a Amazônia e suas populações indígenas. E recordou que a crise ambiental está indissoluvelmente ligada a uma crise social, reiterando que a Santa Sé seguirá desempenhando seu papel no cuidado da casa comum.

“Eu penso na perigosa situação da Amazônia e dos povos indígenas que vivem lá. Isso nos lembra que a crise ambiental é intimamente ligada à crise social e que o cuidado com o ambiente exige uma abordagem abrangente para lidar com a pobreza e combater a exclusão”.

Francisco foi contundente ao denunciar a situação de milhões de crianças no mundo, agravada com a pandemia. Citou os menores migrantes não acompanhados, as crianças vítimas de violência, maus-tratos, pedofilia, trabalho escravo, crianças sem direito à saúde e educação e, pior, sem direito à vida.

“Imploro, pois, às autoridades civis que prestem especial atenção às crianças a quem lhes são negados seus direitos e dignidade fundamentais, em especial seu direito à vida e à educação. Não posso evitar de recordar o apelo da jovem valente Malala Yousafzai, que há cinco anos, na Assembleia Geral, nos recordou que ‘uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo’.”

Defender as crianças, prosseguiu o Papa, é também defender a família, hoje vítima de “colonialismos ideológicos”. A desintegração da família acarreta a fragmentação social, recordou.

Francisco dirigiu um pensamento especial às mulheres, nos 25 anos da Conferência de Beijing. Não obstante os progressos, muitas mulheres ainda ficam para trás, vítimas de exploração e violência, “A elas e as que vivem separadas de suas famílias, expresso minha proximidade fraterna”, pedindo ao mesmo tempo uma luta mais incisiva contra “práticas perversas que denigram não somente as mulheres, mas toda a humanidade”.

Desmantelar cultura bélica

O último tema tratado pelo Papa foi o das armas, afirmando que não haverá progresso no campo da paz e do desenvolvimento se “recursos preciosos” forem destinados à corrida armamentista, inclusive nuclear.

Diante de uma tecnologia sempre mais refinada e letal, a mensagem de Francisco é clara: “É preciso desmantelar as lógicas perversas que atribuem à posse de armas a segurança pessoal e social. Tais lógicas só servem para incrementar as ganâncias da indústria bélica, alimentando um clima de desconfiança e de temor entre as personas os povos”.

Ao encerrar, Francisco afirmou que o mundo em conflito necessita que a ONU se transforme numa oficina de paz cada vez mais eficaz, em que os membros do Conselho de Segurança, sobretudo os Permanentes, atuem com maior unidade e determinação. E citou como exemplo “nobre” a recente adoção de um cessar-fogo global durante a pandemia.

E por falar em crise, o Papa concluiu recordando que dela saímos ou melhores ou piores e que nesta conjuntura crítica, é “nosso dever repensar o futuro da nossa comum”.

“A pandemia nos mostrou que não podemos viver sem o outro, ou pior ainda, um contra o outro. As Nações Unidas foram criadas para unir as nações, aproximá-las, como uma ponte entre os povos; usemo-lo para transformar o desafio que enfrentamos em uma oportunidade para construir juntos, uma vez mais, o futuro que queremos.”