Que uma chacina assemelhada tenha acontecido no Rio de Janeiro você, com algum esforço, consegue aceitar como mais um ato de violência numa cidade infelizmente violenta.
Mas na Noruega?
Um desequilibrado abrir fogo indiscriminadamente contra jovens na Escandinávia, onde floresce uma sociedade extremamente desenvolvida do ponto de vista social?
Não, ali você não espera esse tipo de coisa exceto em romances policiais como os de Stieg Larsson, situados numa Escandinávia gótica, agressiva — e irreal.
Examinemos.
Aquela é a terra da Janteloven, uma cultura cuja base estipula que ninguém é melhor ou pior que ninguém. (Janteloven significa “Leis de Jante”. Jante é uma cidade imaginária criada, décadas atrás, por um escritor sueco-norueguês. A marca vital da cidade era exatamente a igualdade entre as pessoas, a despeito de riqueza, fama etc. Um lixeiro não é menos respeitado que um milionário ou um astro pop.)
Atribui-se em boa parte à Janteloven a excelente colocação que os países escandinavos sistematicamente alcançam nas pesquisas feitas para aferir o grau de felicidade das pessoas. Fui à Dinamarca, uma vez, para escrever uma reportagem que tentasse explicar este fenômeno. Mais tarde, fui também à Suécia e à Noruega.
De tudo que vi na Europa neste minha temporada no exterior nada me fascinou tanto quanto o jeito escandinavo de ser. Se há uma sociedade ideal, ou perto disso, ela está ali.
Por isso a surpresa com o duplo atentado sanguinolento de um neonazista. Tão peculiar é a Noruega que, pela sua legislação, a pena máxima a que o terrorista está sujeito são 21 anos. Ele tem 32 anos, e aos 53 voltaria – teoricamente – a ser um homem livre. Evidentemente isso não deverá acontecer: provavelmente ele será catalogado como louco e ficará até o final de seus dias detido numa prisão que seja ao mesmo tempo um manicômio.
Mas.
Mas quase tremi.
Se a admirável Escandinávia tropeçar em sangue e violência, o que vai sobrar?