Se um fã de música brasileira fosse montar a banda dos sonhos, escalaria, certamente, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Milton Nascimento. Os cinco estão trabalhando juntos, aliás. Apenas, ao invés de música, se dedicam a outra coisa: resguardar seus interesses comerciais a qualquer custo, apelando também para a censura.
O quinteto supracitado, mais Djavan e Erasmo Carlos, fundou o grupo Procure Saber. À frente está Paula Lavigne, a Lady McBeth da MPB, ex de Caetano, empresária, agente e lobista (ou, como ela prefere em entrevista à Folha, “plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe”).
Eles estão contra um projeto de lei, aprovado em abril, que garante que biografias não autorizadas serão válidas para personalidades públicas vivas ou mortas. Ele precisa ainda passar pelo Senado. Hoje, os juízes costumam determinar o recolhimento desse tipo de livro no momento em que o biografado ou sua família recorrem.
Lavigne diz o seguinte: “Vamos correr o risco de estimular o aparecimento de biografias sensacionalistas em um país em que a reparação pelo dano moral é ridícula”. As indenizacões, de fato, não costumam ser impressionantes. Mas, ao invés de proibir as obras, o correto seria batalhar por valores justos. O que os membros do “Procure Saber” (uma interessante contradição em relação às suas intenções) estão propondo tem um nome e se chama censura.
Não só censura, aliás. É uma esperteza. Você quer lançar um livro sobre, sei lá, o exílio londrino de Gilberto Gil. Você precisa combinar com ele antes. A autorização não sairá de graça, evidentemente. Ele ficará com, digamos, 20% das vendas (ou do patrocínio etc). Se não for assim, nada feito.
O Brasil é uma piada em matéria de historiografia musical. John Lennon tem perto de 250 biografias na Inglaterra. Nos EUA, outras tantas (uma delas, de Albert Goldman, foi lançada no ano em que ele morreu e dizia que Lennon foi viciado em heroína em Nova York. Continua em catálogo). Michael Jackson tem 170 livros dedicados a ele nos Estados Unidos. Frank Sinatra, mais algumas centenas. Alguns autores foram processados e perderam. Outros ganharam.
O símbolo maior dessa arbitrariedade é Roberto Carlos, um homem obcecado de maneira doentia com sua imagem, que tem um escritório dedicado a monitorar o que sai a seu respeito. Ele estabeleceu, infelizmente, um padrão. Há alguns meses, RC mandou recolher um livrinho sobre moda na Jovem Guarda porque não gostou da ilustração (!). Já tinha dado sumiço no ótimo “Roberto Carlos em Detalhes”, de Paulo César Araújo. O escritor e a editora preferiram o recolhimento a ter de pagar a cifra milionária que o velho cantor e seus advogados pediam.
Não há dúvida de que esses artistas têm histórias importantes para entender um período da vida brasileira. Mas a turma de Paula Lavigne não está interessada nisso, em aperfeiçoar os mecanismos que resguardam a privacidade ou em discutir os limites da exposição da vida pública de pessoas notórias. Isso dá trabalho, mas é democrático. É mais fácil fazer lobby para manter uma lei medieval e autoritária. A ironia é que isso, quer queiram, quer não, vai para a biografia deles.