Originalmente publicado por CONJUR
Por Sérgio Rodas e João Ozorio de Melo
O Supremo Tribunal Federal julgará nesta quinta-feira (8/10) se o presidente Jair Bolsonaro pode depor por escrito ou se o ato deve ser feito presencialmente. Nos Estados Unidos, na Europa e na América do Sul, chefes de governo costumam poder depor em condições especiais, inclusive por escrito.
O inquérito investiga as declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre possível interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. O relator, ministro Celso de Mello, determinou que o depoimento seria presencial na Polícia Federal.
Quando o decano ficou afastado por motivo de saúde, o ministro Marco Aurélio votou pela possibilidade de o presidente depor por escrito. Lembrou que os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso deram tal opção a Michel Temer.
A controvérsia gira em torno do artigo 221 do Código de Processo Penal e, especialmente, de seu parágrafo primeiro. O caput tem a seguinte redação: ‘O presidente e o vice-presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de estados e territórios, os secretários de estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos municípios, os deputados às Assembleias Legislativas estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz”.
Já o parágrafo primeiro diz que: “O presidente e o vice-presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício”.
Em seu voto, Celso apontou que o dispositivo só concede o benefício de depor por escrito quando tais autoridades figurarem como testemunhas ou vítimas — não, porém, quando estão na condição de investigados ou de réus. Por outro lado, Marco Aurélio avaliou que uma interpretação histórica, sistemática e teleológica autoriza o depoimento por escrito também quando os líderes dos Poderes sejam réus.
A ideia do caput do artigo 221 do CPP é repetida em códigos de processo penal de diversos países, como Argentina, Bolívia, Espanha, Chile, Uruguai, Venezuela, Colômbia, Itália e Alemanha. Todas essas nações desobrigam os chefes de governo de comparecer em juízo para depor. Eles podem fazê-lo em suas residências oficiais ou escritórios, em data previamente combinada com o juiz.
Na Argentina, Bolívia e Espanha, os códigos de processo penal permitem que o presidente e outras autoridades prestem depoimento por escrito.
Já na França o presidente não pode ser intimado a depor nem ser investigado ou processado enquanto estiver exercendo o mandato. O primeiro-ministro e demais integrantes do governo dependem de autorização do Conselho de Ministros para testemunharem.
Casos nos EUA
Nos EUA, nunca um presidente foi obrigado a prestar depoimento ou testemunho em uma corte, em consequência de uma intimação judicial. Mas presidentes prestaram depoimento voluntariamente, sob condições especiais, em parte por causa da ameaça de serem intimados a comparecer a um grand jury.
A Suprema Corte nunca decidiu sobre isso. A única decisão tomada até hoje foi a de que o presidente é obrigado a entregar provas aos investigadores. A decisão foi tomada no caso Watergate, em que o ex-presidente Richard Nixon foi obrigado a entregar gravações de suas conversas telefônicas. Mas nunca prestou depoimento.
Em decisões separadas, as cortes decidiram que o presidente deve prestar depoimento, porque a regra da common law diz que “o público tem o direito de conhecer provas de todos os homens”. E que “os interesses do presidente em manter a confidencialidade não pode prevalecer sobre as demandas fundamentais do devido processo da lei na administração justa da justiça criminal”.
Porém, os presidentes que prestaram depoimentos o fizeram em condições especiais: por escrito ou verbal, em depoimento tomado na Casa Branca, normalmente gravado para ser apresentado a um grand jury.
O presidente Donald Trump respondeu por escrito a um questionário encaminhado à Casa Branca pelo procurador especial Robert Mueller, que investigou um possível conluio de sua campanha eleitoral, em 2016, com a Rússia.
O ex-presidente Bill Clinton prestou cinco depoimentos verbais na Casa Branca, alguns juramentados, outros gravados. E prestou um depoimento no escritório de seu advogado, no processo em que foi acusado de má conduta sexual. O caso de Monica Lewinsky, que resultou no processo de impeachment de Clinton, está entre os depoimentos que foram tomados na Casa Branca.
O ex-presidente Ronald Reagan também prestou depoimento por escrito, em um processo referente ao escândalo Irã-contras, em 1987. O ex-presidente Jimmy Carter prestou depoimentos gravados na Casa Branca em dois processos. Gerald Ford prestou um gravado, no julgamento de Lynette Fromme, que tentou assassiná-lo, depois que a corte recusou uma declaração por escrito.
Clinton decidiu prestar depoimentos, sem muita contestação, porque concluiu que isso era um “imperativo político”. Em retorno a seu testemunho voluntário, o procurador especial que o processava retirou a intimação para o ex-presidente depor.
Entre os entendimentos das cortes, um é o de que, apesar de o presidente não ter imunidade absoluta procedimentos judiciais, ele não pode ser tratado como as demais autoridades, por causa de suas funções presidenciais. “A Constituição proíbe as cortes de sujeitar o presidente a procedimentos judiciais que o impedem de cumprir suas obrigações previstas no Artigo II, em violação da separação de poderes”, diz uma das decisões.
Outra decisão esclarece que o presidente pode prestar depoimentos onde determinar (normalmente, na Casa Branca), em horários disponíveis e pelo tempo que for estabelecido (avaliado caso a caso).
“Assumimos que o testemunho do presidente, tanto para discovery como para uso em julgamento, pode ser tomado na Casa Branca, no horário que acomodar o cumprimento de suas funções e que, se for realizado um julgamento, não será necessário que o presidente compareça a ele, embora possa decidir fazê-lo.”
Normalmente, esses arranjos são negociados entre os advogados do presidente e os procuradores.
As cortes também entenderam que os promotores devem considerar algumas variáveis para avaliar a validade de uma intimação para um presidente prestar depoimentos: a intimação é emitida como parte de um processo civil ou criminal? As informações desejadas se relacionam a atos oficiais ou não oficiais do presidente? A intimação é para testemunho ou para entregar documentos ou qualquer outro tipo de prova?
Finalmente, se a corte quiser ou conseguir executar uma intimação do presidente para prestar depoimento em um grand jury, ele ainda terá a sua disposição alguns privilégios, tais com o privilégio executivo e o privilégio de não se autoincriminar, em resposta a questões específicas.