Publicado originalmente no Portal Vermelho
POR ANDRÉ CINTRA
Apesar da recente alta em sua popularidade, o presidente Jair Bolsonaro não foi capaz, até aqui, de fortalecer suas duas principais apostas na eleição municipal de 2020: as candidaturas a prefeito de Celso Russomanno, em São Paulo, e de Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, ambas do Republicanos. Enquanto Russomanno começa a desidratar, Crivella enfrenta uma rejeição avassaladora – e ainda está às voltas com denúncias que empurram sua campanha para a esfera judicial.
Pleitos municipais não são necessariamente impactados pelo cenário nacional – muito menos nestas que são as duas maiores cidades do País. PMDB e PSDB não elegeram prefeitos no eixo Rio-São Paulo nos períodos em que estiveram na Presidência.
O PT ocupou o Planalto de 2003 a 2016, mas, ao disputar a Prefeitura do Rio, não passou de 6,31% na eleição de 2004 e 4,97% em 2008, abrindo até mão de lançar candidato em 2012. Em São Paulo, depois de perderem em 2004 e 2008, os petistas só venceram em 2012, no auge da popularidade do governo Dilma Rousseff.
As pesquisas atuais são anteriores ao início da propaganda em rádio e TV, que foram decisivas nas eleições municipais de 2016, mas secundárias na disputa à Presidência em 2018. A pandemia deve realçar a importância da televisão, sem prejuízo ao poder das redes sociais. Mas nada indica que Bolsonaro deva inverter a tradição.
Mesmo com índices recordes de aprovação a seu governo e a despeito de ter construído sua trajetória política no próprio Rio de Janeiro, Bolsonaro vê seus candidatos patinarem. A situação do Rio, por sinal, é mais crítica para a extrema-direita. Por ora, Crivella conseguiu reverter na Justiça o processo que o tornou inelegível por oito anos. Mas pesquisa Datafolha divulgada na última sexta-feira (9) revela que 62% dos cariocas consideram sua gestão ruim ou péssima – sua aprovação é de apenas 12%.
Em busca de uma reeleição cada vez mais improvável, o prefeito se mantém numericamente em segundo lugar nas intenções de voto, com 14%, menos da metade de Eduardo Paes (DEM, 30%). Como a margem de erro é de três pontos percentuais, o bispo da Universal está tecnicamente empatado com Martha Rocha (PDT, 10%) e Benedita da Silva (PT, 8%).
O problema, para o prefeito e para o presidente, é que 59% dos eleitores do Rio dizem que não votariam em Crivella de jeito nenhum. O próprio Bolsonaro divide os cariocas – 37% consideram a gestão federal ótima ou boa, e 38% a julgam ruim ou péssima.
O risco real é que, além de Crivella não ir nem sequer ao segundo turno, sua rejeição respingue no presidente e bloqueie a recuperação do apoio bolsonarista no Rio. Será, nesse caso, o típico “abraço de afogados”, ainda que Bolsonaro tenha mais tempo – até a corrida presidencial, em 2022 – para recompor seu capital eleitoral.
Em São Paulo, Russomanno iniciou a campanha na liderança das pesquisas, a exemplo do que ocorreu nas eleições de 2012 e 2016. Para evitar que suas intenções de votos desabem – como se deu igualmente nas duas eleições anteriores –, o candidato do Republicanos, da Igreja Universal e da TV Record joga todas as fichas em Bolsonaro.
Em debates, sabatinas e entrevistas, no jingle e na propaganda eleitoral em rádio e TV, o discurso de Russomanno é monotemático: ele seria o único candidato capaz de sensibilizar Bolsonaro e levar o Planalto a despejar investimentos em São Paulo. A estratégia não surtiu efeito – e não parece que surtirá.
Na comparação entre as pesquisas Datafolha de 24 de setembro e 8 de outubro, a vantagem de Russomanno para seus principais concorrentes caiu. Em duas semanas, o representante bolsonarista passou de 29% para 27%, enquanto Bruno Covas (PSDB) foi de 20% para 21%, e Guilherme Boulos (PSOL), de 9% para 12%. Assim, a diferença para Covas passou de nove para seis pontos percentuais – e, para Boulos, de 20 para 15 pontos.
É no recorte da pesquisa que o potencial de apoio de Bolsonaro a Russomanno soa ainda menos factível. De acordo com o Datafolha, 63% dos paulistanos afirmam que jamais votariam num candidato apoiado pelo presidente.
Além disso, nos segmentos do eleitorado de São Paulo em que Bolsonaro se sai melhor – como homens, jovens e, sobretudo, evangélicos –, Russomanno já está com desempenho acima de sua média. Isso sugere que, em tese, os eleitores mais fiéis a Bolsonaro já estão tendencialmente fechados com Russomanno. Com isso, a margem para uma eventual transferência de voto é minúscula.
Com o olhar em 2022, aliados do presidente estimularam o apresentador da TV Record a se lançar a mais uma disputa à prefeitura. Uma derrota de Bruno Covas em São Paulo enfraqueceria as pretensões presidenciais do governador paulista, João Doria (PSDB), pré-candidato não declarado ao Planalto.
O “recado das urnas”, ao fim da apuração, dirá se o presidente eleito em 2018 jogou peso em 2020 – ou se, ao contrário, saiu pior do que entrou.