Há um certo alvoroço toda vez que Bolsonaro se desentende com algum general, depois de ter mandado sete generais embora do governo. Há quem acredite que o fim de Bolsonaro não será num embate contra os adversários, mas com gente da própria turma.
A batalha final, com danos irreversíveis e o desmonte do governo, envolveria o grupo civil próximo dele contra os generais. A excitação aumenta agora com os possíveis desdobramentos do ataque de Ricardo Salles ao general Luiz Eduardo Ramos.
Salles jogou pesado ao dizer que o ministro-chefe da secretaria de Governo adota “uma postura de maria fofoca”. É linguagem de gente dos pântanos da política. Mas contra um general?
Parece existir dentro do governo um esforço permanente para enquadrar os generais. Suspeitam que os garotos não gostam deles, ou não assimilam bem suas presenças mais ostensivas, e que Salles tem mais poder que a maioria dos oficiais.
É provável que nunca os militares tenham ficado tão expostos a ataques, como decorrência do próprio envolvimento com tanta gente barra pesada.
A primeira abordagem depreciativa em direção aos generais foi aquela frase de Paulo Guedes, na célebre reunião de 22 de abril (a da boiada e das hemorroidas). Braga Netto havia apresentado o seu Programa Pró-Brasil, que afinal seria o motivo da reunião, e o classificou como uma espécie de Plano Marshall.
Guedes saiu atirando: “Não chamem de Plano Marshall porque revela um despreparo enorme”.
Braga Netto buscava espaço para o protagonismo dos fardados, com uma imitação grosseira dos programas estatais da ditadura, mas foi derrubado num canto sem piedade por um golpe de Paulo Guedes.
Guedes disse duas vezes: o programa revela despreparo. Os militares não sabiam o que havia sido o Plano Marshall? E estavam se metendo na área de Guedes com um plano de recuperação de investimentos, quando Guedes vendera para os amigos que o Estado ficaria fora dessas coisas.
Depois, Bolsonaro encostou Hamilton Mourão no Conselho da Amazônia e o vice passou a ser desautorizado por Ricardo Salles. Quando esperavam que o general impusesse o poder da farda e do cargo, tudo o que fez foi concordar com o sujeito acusado de incentivar a devastação da Amazônia.
Bolsonaro vai rifando ou desgastando seus generais, um a um, depois de tentar envolvê-los no blefe do golpe contra o Supremo. Nunca ergueu a voz para defender, nem mesmo de forma protocolar, o programa de Braga Netto. E constrangeu Eduardo Pazuello por duas vezes. Primeiro, ao deixá-lo por quatro meses como interino na Saúde. E agora ao forçá-lo a pedir desculpas no episódio da vacina chinesa.
Bolsonaro e os generais estão abraçados no meio do redemoinho, sem colete salva-vidas. É improvável que Bolsonaro, que emprega 5 mil militares, consiga viver sem eles.
Não vive sem os que lhe dão suporte político, na linha de frente, nem sem o resto que cumpre tarefas burocráticas na retaguarda, para fazer volume.
Bolsonaro depende dos militares e eles dependem de Bolsonaro. Mas não há no governo o lastro de um projeto ou de uma orientação militar, nem como arremedo do que ocorreu na ditadura.
Comparar os atuais militares com os que assumiram o governo com o golpe de 64 e ficaram por duas décadas no poder, quando montaram um plano para o país, é ser ofensivo com os primeiros.
Os militares de alto escalão são hoje caroneiros de Bolsonaro e de Paulo Guedes, sem qualquer autonomia e voo próprio. Os do baixo escalão são empregados de Bolsonaro. A militarização do governo é um projeto de Bolsonaro e da família dele.
Um general chamado de maria fofoca não vai admitir que sua missão e a de seus colegas no governo é a de proteger Bolsonaro. Mas essa é cada vez mais a tarefa dos generais. Quem ainda estiver em dúvida, antes da batalha final, que fale com o general Santos Cruz.