Publicado originalmente na Ponte:
Por Arthur Stabile
Policiais civis de São Paulo intimidaram uma ativista da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, grupo que atua contra a violência policial, na zona sul da capital paulista, na noite de domingo (25/10). A mulher teve a casa invadida, foi revistada de forma truculenta e xingada pelos policiais.
Maria Nilda de Carvalho Mota, a Dinha, 42 anos, estava com suas três filhas em casa, no Jardim São Savério, por volta de 23h45. Ouviu sons de tiros e uma confusão na rua, o que a fez ir até a janela. Decidiu pegar o celular para filmar a cena que via.
Ao olhar para a esquina da rua em que mora, assistiu um grupo de policiais abordando um homem vestido com um moletom claro. Ele estava com as mãos na cabeça e sendo derrubado no chão.
Eles tentavam o levar para cima na rua, momento em que um dos policiais civis a flagrou registrando a cena. Dinha conta que eles imediatamente a mandaram descer e, por ela não ter saído, entraram na sua casa.
“Passaram o portão do quintal e foram até a porta. Me mandaram entregar o celular”, conta a mulher. “Abriram a janela por fora e puxaram a cortina. A porta estava trancada, mas conseguiram abrir não sei como”.
Antes de entrar, os agentes a teriam chamado de “vadia”, “mulher de bandido” e “defensora de traficante”. “Eu falei que estava exercendo meu direito de filmar e não tinha nada a ver com a abordagem. Não saí porque não me senti segura”, conta.
Com a porta aberta, um policial entrou no local sem apresentar mandado e nem obter autorização da ativista. Pegou o celular em que ela registrou a ação e disse que a levaria para a delegacia, saindo do local com o aparelho.
Dinha conta que outros quatro policiais civis entraram na casa depois disso, uma delas uma policial mulher, que a revistou “com truculência, fazendo perguntas intimidadoras.
Suas filhas de 13, 11 e 8 anos estavam com ela na sala no momento do enquadro. O policial não devolveu o celular, tendo o entregado a uma vizinha.
“Hoje de manhã eu soube que perguntaram para os meus vizinhos sobre mim, os intimidaram e deixaram o telefone com uma mulher que conheço”, explica.
Segundo apurado pela Ponte, os policiais estavam no Jardim São Savério em busca de supostos assassinos de um policial civil morto no domingo.
Naquele dia, o policial Jorge Queiroz morreu em uma tentativa de assalto cometida por dois homens na Vila Carrão, zona leste da capital paulista. O crime aconteceu às 19h.
Queiroz chefiava os investigadores do 30º DP (Tatuapé), também na zona leste. O bairro do crime fica distante 18 km de onde os agentes abordaram o homem no São Savério.
Conforme Boletim de Ocorrência, os policiais civis André Luiz Lopes Cassoli e Jacques Barnabe de Souza realizaram uma operação para identificar os assassinos do policial civil quando viram um homem vestindo moletom em uma moto.
O homem é Richard da Silva, 19 anos que, segundo os policiais narram à delegada Adriana Parente Silvestre, do 31º DP (Vila Carrão), tentou sacar uma arma ao ver a viatura.
Barnabé atirou, acertando o tanque da moto, e Richard caiu. Relatam ter encontrado com ele uma arma de fogo, marca Taurus, calibre 38, que consta como roubada de uma empresa de vigilância em 2007.
Richard foi preso sob acusação de porte ilegal de arma de fogo (pena de dois a quatro anos de prisão), resistência (reclusão de um a três anos) e receptação (prisão de um a quatro anos), mas foi liberado em audiência de custódia e responde à investigação em liberdade.
Segundo sua companheira, Leila Sousa de Almeida, 24 anos, ele nunca teve arma. Ela explica que o homem passou o dia em casa e, por volta de 23h, saiu para dar uma volta com a moto. Só foi ter notícia dele às 4h30 do dia seguinte ao ver um jornal.
Ela pegou informação da delegacia em que ele estava e pegou um Uber do Parque Bristol, onde mora, até a Vila Carrão. “Na delegacia, estavam falando que ele estava preso por um porte [de arma]. Estavam fazendo operação pela morte do policial”, conta.
Leila explica que Richard não tem carteira de habilitação para dirigir e esse deve ter sido o motivo dele não ter parado quando abordado. “Falaram que ele deu meia volta e ia fugir, mas um policial atirou e pegou na moto, não nele. Aí ele parou”.
Ela, que está grávida de seis meses, conversou com a Ponte enquanto estava no ônibus a caminho da delegacia. Voltou para casa porque demoraria até ter uma decisão se ele ficaria preso preventivamente ou não. “Eu não dormi, passei a noite em claro”, afirma.
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de SP, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), e aguarda uma resposta.