Originalmente publicado por BLOG DO MOISÉS MENDES
Por Moisés Mendes
Bolsonaro deve andar tensionado com os últimos acontecimentos provocados pela democracia. Mas deve esquecer um pouco Joe Biden e prestar atenção no que aconteceu no Peru.
Caiu mais um representante da direita, por impeachment, quando muitos achavam que poderia resistir. Caiu o presidente corrupto Martín Vizcarra (foto), na segunda tentativa do Congresso para derrubá-lo.
O caso de Vizcarra reafirma que a direita não poupa nunca os perdedores, abandonados na sarjeta do jeito que dá. Ele foi derrubado por 105 votos, com 19 contra e quatro abstenções.
Os próprios congressistas davam sinais, dias antes da votação do impeachment nesta segunda-feira, de que ele resistiria.
Em setembro, na primeira tentativa, o presidente havia conseguido 78 votos pela rejeição, contra 32 votos pela cassação e 15 abstenções.
Uma barbeiragem e interesses contrariados determinaram a virada. Vizcarra inventou de se defender acusando o Congresso de estar cheio de corruptos. Os corruptos e os não corruptos se viraram contra ele.
O caso é mais um a ser estudado, para que se compreenda como a direita se movimenta em situações de risco e para que Bolsonaro perceba o que pode acontecer com ele aqui.
Vizcarra era vice-presidente e assumiu em março de 2018 com a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, também acusado de corrupção.
Tem uma carreira política razoável. Foi governador de Moquegua (2011–2014), ministro dos Transportes e das Comunicações e embaixador do Peru no Canadá.
O partido dele, o Peruanos Por el Kambio (PPK), Peruanos pela Mudança, o mesmo de Kuczynski, é de direita. PPK é também o apelido de Kuczynski. Por isso a palavra câmbio está escrita no nome do partido com K.
A direita, incluindo a fujimorista, também votou pelo impeachment, ou ele teria escapado, como aconteceu em setembro.
E apresentam-se então as lições que Bolsonaro poderia aprender. O presidente que cai, por denúncias de recebimento de propina agora e também de quando foi governador, tem partido forte.
Tinha histórico e base política, bom lastro popular, apoio da direita e a certeza de que iria sobreviver. Mas chegou o momento em que o Congresso decidiu abandoná-lo.
Bolsonaro não tem histórico de fidelidade político-partidária. Nem partido ele tem desde que deixou o PSL, e o partido que pretendia criar para a família não consegue apoio popular para se viabilizar.
Bolsonaro não tem aliados, mas parceiros eventuais do centrão, conquistados pelo jogo mais raso de Brasília, depois que sentiu a necessidade de buscar as trincheiras tradicionais que tanto esnobou.
Bolsonaro não tem base política orgânica, de forma institucional, e se mantém no poder, depois de ter blefado com o golpe, porque dispõe de lastro militar e porque comprou o apoio da direita prestativa do Congresso.
O que aconteceu no Peru, no rastro do que vem acontecendo em várias partes do mundo, é a reação da política às pressões que acontecem no seu ventre, e não necessariamente nas ruas ou fora de governos e Congressos. Até porque as pesquisas davam que o povo apoiava Vizcarra e desaprovava o Congresso.
A rebelião da direita derrubou um político que em apenas dois meses perdeu o apoio de mais de 70 parlamentares.
O que o caso peruano aponta é que não há mais garantia de nada para quem está no poder, nem mesmo os líderes de uma direita que, nos piores momentos, pode optar pela traição escancarada.
Bolsonaro não tem quase nada do que Vizcarra e Kuczynski achavam que tinham. A diferença a seu favor talvez seja a militarização do governo.
Bolsonaro também talvez não tenha condições de assimilar essas informações, porque não sabe direito o que acontece na América Latina e possivelmente nem queira saber.