Publicado no Migalhas
No final de outubro, a 6ª turma do STJ concluiu não ser possível condenar alguém exclusivamente com base em reconhecimento por foto. A problemática sobre acusações com base nesse tipo de prova ainda gera controvérsias e chama a atenção para casos em que pessoas, especialmente negras, foram acusadas injustamente.
Foi neste contexto que a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB do Rio de Janeiro criou a campanha “Justiça para os inocentes” em conjunto com o coletivo de artistas 342 Artes e a Mídia Ninja. A iniciativa apresenta vídeos com histórias de jovens negros que foram incriminados com base em fotografias e esperam justiça.
Justiça para inocentes
Segundo a Ordem fluminense, o pilar da iniciativa “Justiça para inocentes” é denunciar o racismo estrutural nas instituições ao expor que 70% dos acusados injustamente por falhas no reconhecimento fotográfico são negros.
No último dia 29, foi ao ar uma live de inauguração da campanha com Caetano Veloso e o juiz do TJ/RJ André Nicolitt. Além de comentarem o tema, eles fizeram um panorama histórico sobre o encarceramento em massa da população negra. Na live, Nicolitt explicou que a coisificação e a construção do estereótipo do negro como “bandido” no processo penal de hoje são heranças do sistema penal imperial que foi pensado a partir da escravidão.
Em entrevista ao Migalhas, Nicolitt fala que a iniciativa demonstra a ineficiência desse tipo de prova no sistema Penal brasileiro. O projeto, segundo o magistrado, dá “visibilidade para um problema crônico nas práticas da polícia, ministério público e todo o Judiciário”, especialmente porque revela “aspectos racistas desse instrumento investigatório” uma vez que demonstra que “os negros são vítimas dessa tecnologia de investigação”, afirma Nicolitt.
Condenação por fotografias
A 6ª turma do STJ, em julgamento do dia 27 de outubro de 2020, absolveu um homem condenado por assalto exclusivamente com base em reconhecimento de testemunhas por foto. Na ocasião, o colegiado definiu que não é possível condenar alguém exclusivamente com base em reconhecimento por foto.
No julgamento, o relator do caso, ministro Rogerio Schietti, destacou que esse tipo de prova “já tem um grau de subjetividade muito grande”, sendo uma prova “colhida inquisitoriamente, sem presença do advogado, de um juiz ou do MP. O que se faz em juízo é uma confirmação de um ato processual, uma prova indireta”.
Para o juiz Andre Nicolitt, a decisão representa uma mudança no paradigma na jurisprudência do STJ. “Esse acórdão do STJ se dirige como informação e comunicação para os demais Tribunais e para as polícias do Brasil como um alerta de que essa prática é nefesta”, explica.
História de jovens negros
O primeiro caso relatado na série “Justiça para inocentes” traz a história do produtor cultural Angelo Gustavo Pereira Nobre, de 28 anos. Em agosto de 2014, no Rio de Janeiro, houve um assalto praticado por seis pessoas. No dia em que o crime aconteceu, Angelo Gustavo se recuperava de uma cirurgia, foi a uma missa de um amigo que havia falecido e, em seguida, seguiu para a casa da avó em Rio Comprido.
Meses depois, o carro do assalto foi encontrado e nele havia uma identidade. Logo após, a vítima do assalto foi à delegacia dizendo que entrou no Facebook do dono da identidade e encontrou Gustavo, que, segundo ela, havia participado do crime. Disse que “apesar de não ter enxergado bem, poderia afirmar que Gustavo era um dos assaltantes”.
Gustavo foi preso preventivamente sem ter a chance de prestar qualquer tipo de depoimento e foi condenado. Ele está preso desde setembro de 2020.
O segundo vídeo da inciativa conta a história de Ramon Carlos de Souza, de 28 anos e preso desde fevereiro deste ano após ser incriminado por uma pessoa que diz o ter reconhecido em foto. Ele não sabe dirigir, mas foi preso acusado de dirigir um carro usado em um assalto a uma residência em 2019, no Rio de Janeiro, no mesmo dia e hora em que Ramon estava no velório de seu avô.
No dia da prisão, Ramon não foi ouvido pelas autoridades policiais tampouco foram colhidas provas de testemunhas que estavam com eles no dia do crime. O julgamento está marcado para novembro.
As histórias de Douglas Peçanha e Silva, de 29 anos, que foi morto pela Polícia Militar e de Danilo Félix Vicente de Oliveira, de 24 anos, serão contadas e divulgadas em vídeo nos próximos dias.