Derrota do fascismo em 2020 precisa começar domingo. Por Marcelo Auler

Atualizado em 13 de novembro de 2020 às 23:12
Urna eleitoral

Publicado originalmente no Blog do autor:

Por Marcelo Auler

Os 70 milhões de votos obtidos por Donald Trump não foram suficientes para mantê-lo no cargo por mais quatro anos, mas demonstraram bem que ele, apesar de todos os estupros democráticos que cometeu, foi capaz de dividir a sociedade estadunidense.

São 71 milhões de eleitores que desejavam vê-lo permanecer por mais quatro anos na Casa Branca a repetir os muitos estrupícios que cometeu no governo. Os mesmos estrupícios que levaram outros 76 milhões de eleitores a escorraçá-lo de lá, apoiando Joe Biden.

O resultado, porém, não nos permite esquecer que uma considerável parcela dos norte-americanos – metade? – ainda defende quem desconsiderou a pandemia, os gays, negros, mulheres, migrantes. Enfim, quem semeou ódio e intolerância. Constatar isso, como bem definiu Janio de Freitas em sua coluna na Folha de S.Paulo (08/11) “é, com a melhor clareza, desmentir o caráter exemplar da democracia americana.”

A escolha do candidato Democrata, ainda que ele possa ter seus méritos, deve ser encarada muito mais como um basta, da outra metade dos eleitores, à barbárie que o presidente Republicano implantou nos EUA. Prova disso são as comemorações nas ruas das cidades americanas, no sábado e ao longo de domingo. Milhares de pessoas vibrando não tanto por Biden, mas pela expulsão de Trump. Pelo esperado retorno à civilidade, ainda que ninguém imagine um governo revolucionário/progressista. Não será. Esperam sim mais tolerância, respeito aos diferentes/divergentes, enfim, uma democracia.

Como bem definiu Luiz Carlos Bresser Pereira no artigo Solidária, republicana e realista, “não nos enganemos. Os Estados Unidos continuarão imperialistas e belicistas. Continuarão procurando impor o liberalismo econômico ao resto do mundo, embora o fundamentalismo de mercado tenha fracassado mais uma vez em 2008″.

Mas a mudança imaginada pelos estadunidenses é algo que também se almeja nos dias atuais aqui, ao sul do Equador. São muitos os que sonham com as mesmas comemorações nas ruas das cidades brasileira em 2022. Esperava-se até que fosse antes, caso as dezenas de pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro não estivessem mofando na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ). Sem perspectiva de um impeachment – apesar de a cada dia ele trazer novos motivos a justificar o seu impedimento – resta esperar e, principalmente, construir a derrubada pelo voto. Algo, porém, que não será tão linear como foi para os norte-americanos.

O exemplo deles nos mostra uma diferença grande a ser superada. Lá, a divisão da sociedade foi clara: defensores da permanência do desatino implantado há quatro anos, votaram no candidato Republicano; já quem defende o retorno à civilidade, cravou no partido Democratas.

Por aqui, como se dará a escolha quando existem dezenas de partidos políticos, vários com possíveis candidatos à sucessão do nosso Trump tupiniquim? Diferentes candidatos, inclusive dentro de um mesmo campo ideológico?

O sistema político norte-americano permitiu transformar a eleição presidencial deste ano em um verdadeiro plesbicito. Algo difícil de imaginar em terras brasileiras, dada a proliferação não apenas de candidatos a candidatos, mas de candidatos ideologicamente distintos, em partidos diferentes.

O noticiário do final de semana nos deu amostra disso, relacionando, apenas no campo da direita. Nomes como o ex-juiz Sérgio Moro, o apresentador de TV Luciano Huck, o governador de São Paulo João Dória (PSDB), mais o fundador do Novo, João Amoedo, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB). Sem falar de Rodrigo Maia (DEM), atual presidente da Câmara.

Restam ainda aqueles do campo à esquerda, como o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – embora ainda com os direitos políticos cassados -, o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB), ou mesmo o ex-prefeito Fernando Haddad (PT). Sem falar do ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que se posiciona à esquerda, mas busca respaldo ao centro e até à direita, motivos de ainda manter escaramuças com o petismo. Em especial com Lula, apesar do recente encontro dos dois quando, nas palavras do pedetista, “lavamos nossa roupa suja”.

Torna-se difícil, com esta salada mista de nomes e correntes políticas, imaginar em 2022 uma espécie de plesbicito entre Bolsonaro e algum adversário que reúna apoio deste amplo espectro político, tal como ocorreu nos EUA.

Verdade que nosso sistema político, ao contrário do esdrúxulo colégio eleitoral estadunidense, permite a possibilidade de dois turnos. Mesmo com essa possibilidade, porém, é preciso se buscar união na tentativa de chegar à disputa final. A proliferação de partidos e candidatos pode dispersar votos, derrubar pretensões. Algo muito possível de ocorrer, por exemplo, no espectro político à esquerda. Entre aqueles que jamais aceitariam entrar em uma disputa eleitoral, por exemplo, ao lado de Moro, Doria e que tais…

Certo que Moro já levou dois “chega pra lá” de quem ele considerava aliados. O primeiro, de Maia que, em entrevista à Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, classificou-o como extrema direita, tal como os Bolsonaros. Outro partiu justamente de Huck, a quem ofereceu um almoço imaginando estar selando uma aliança. Na segunda-feira, ao dividir o almoço com Maia, o apresentador da TV deixou claro, segundo noticiou Lauro Jardim, em O Globo: “Minha turma é essa aqui”.

O que se evidencia é que no campo à direita já se esboçam tentativas em busca de se evitar diluir votos, visando uma candidatura que possa unir. Não parece tarefa muito fácil, devido ao número de pretensos candidatos.

Uma divisão da direita aumentará a chance da esquerda, junto com setores progressistas, chegar ao segundo turno, desde que se apresente unida, sem dividir/desperdiçar eleitores. Caso contrário, o risco de seus candidatos ficarem no meio do caminho, ou seja, não chegarem ao segundo turno, torna-se real.

A união visando 2022, porém, deve começar já. A partir de domingo próximo, dia 15, no primeiro turno das eleições municipais. Será uma espécie de teste real das possibilidades de um acordo entre os diversos segmentos ideológicos, na expectativa do segundo turno.

O primeiro teste, a esta altura do campeonato, dependerá muito mais do comportamento dos próprios eleitores. Será muito difícil lideranças partidárias abrirem mão de seus candidatos. Restará aos eleitores que enxergarem na eleição municipal o primeiro round da luta maior contra o fascismo buscar a derrota do bolsonarismo, eliminando os candidatos apoiados por eles do segundo turno.

O teste maior, porém, virá em seguida. Eliminados os bolsonaristas, restará aos segmentos de esquerda buscarem composições/coligações para a conquista das prefeituras. Os acertos de agora, certamente, ajudarão nas alianças para 2022. Não será uma composição fácil.

Principalmente quando verificamos, por exemplo que Ciro Gomes, tal como afirmou na segunda-feira (09/11) manifestar seu desejo de alijar os petistas: “Parece que o bolsonarismo boçal e o lulopetismo corrompido vão levar uma grande surra no Brasil inteiro. Parece, a preço de hoje. Isso quer dizer que surgiu organicamente um novo campo? Não, quer dizer que o eleitorado brasileiro está banindo esses dois extremos”, disse, segundo noticiou Dimitrius Dantas, em O Globo.

Hipoteticamente, caso no Rio a candidata petista Benedita da Silva chegue ao segundo turno não se duvida que uma grande maioria dos psolistas lhe apoiarão na disputa contra o ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM. Mas e o PDT de Martha Rocha, que em Salvador (BA) está ligado ao DEM de Antônio Carlos Magalhães Neto? E o PSB de Alessandro Molon, que apoia Martha e em São Paulo tem Marcio França como candidato? Somarão juntos à petista?

Havendo uma inversão, ou seja, Martha passando ao segundo turno, haverá o apoio das lideranças do PT ou irão apoiar o ex-prefeito Paes com quem já se relacionaram alhures? E os psolistas que sequer aceitaram uma chapa Marcelo Freixo & Benedita da Silva, apoiarão Martha e engrossarão a campanha contra o ex-prefeito?

Em São Paulo as dúvidas se repetem. Se Guilherme Boulos (PSOL) chegar ao segundo turno, certamente os petistas estarão lhe apoiando. Aliás, lá, mas facilmente os eleitores já farão essa opção no primeiro turno.  Mas Márcio França (PSB) fará o mesmo, depois de ter até flertado em passado não muito distante até com o bolsonarismo? O PDT de Gomes, que apoia França e esteve em São Paulo fazendo campanha, apoiará Boulos, ou se aliará a Bruno Covas (PSDB), apoiado por João Doria? E se for França – hipoteticamente – a conquistar o direito de disputar o segundo turno, como se comportarão petistas e psolistas?

Com algumas diferenças, essas dúvidas se repetirão em diversas cidades. Definir as alianças de segundo turno, ainda que estejamos tratando de eleições municipais, certamente será uma forma de pavimentar – ou não – o caminho para 2022. Sem dúvida que a possível eliminação de candidaturas de bolsonaristas já será um grande passo. Mas será apenas o início de algo mais profundo que a esquerda e os progressistas terão que traçar para eliminar de vez o fascismo que chegou ao poder justamente por conta do ódio de grandes setores da sociedade ao petismo. O mesmo ódio que Gomes parece continuar alimentar. Até por enxergar nos petistas empecilho aos seus sonhos de chegar ao Palácio do Planalto.