A sede mundial do grupo Carrefour, na França, se calou sobre o histórico de racismo e outras violências em suas lojas no Brasil, após quatro dias de pedidos de resposta do DCM.
Reativa quando é de interesse do grupo, sua assessoria de imprensa na França respondeu rapidamente ao primeiro contato da nossa reportagem, na última sexta-feira, 20, quando pedimos uma posição do Carrefour sobre a morte de João Alberto Freitas.
Em meia hora, a assessoria nos telefonou, confirmando a recepção do pedido e questionando em qual formato seria a publicação.
Confirmamos que seria publicado um artigo, mas propusemos uma entrevista com um representante do grupo Carrefour.
Um dos assessores nos perguntou se o objetivo era falar da morte de João Alberto, quando precisamos que além dessa morte queríamos um posicionamento sobre uma série de casos de violência nas lojas do grupo.
“Então é sobre a violência nos Carrefours do Brasil, é isso?”, perguntou. Compreendido o objetivo da reportagem, a assessoria prometeu uma apuração interna. “Muito bem, vou transmitir tudo isso e lhe darei um retorno”.
Meia hora depois, o grupo nos envia a primeira e única resposta por escrito. Apesar de haver compreendido que a questão abrangia o conjunto de casos de racismo e outras formas de violência, a sede do grupo apenas traduziu para o francês trechos da nota divulgada no Brasil sobre o caso João Alberto.
“Segue a posição do Carrefour Brésil”, introduziu o e-mail do Carrefour, quando nosso interesse era saber a posição da sede, na França, razão pela qual a contactamos e não as filiais no Brasil.
Resolvemos então lembrar ao grupo dos casos que compunham o histórico do qual lhe havíamos questionado:
o homem morto de um ataque cardíaco no Carrefour Recife, coberto por um guarda-sol e o funcionamento normal da loja, que continuou aberta;
um homem negro impedido de entrar em 2017 no Carrefour de Sorocaba sob alegações da segurança de que ele poderia ser “confundido com um ladrão pelos clientes”;
um homem negro agredido no estacionamento do Carrefour de Osasco depois de ser acusado de roubar o próprio carro em 2009;
uma cachorra espancada até a morte por um segurança no mesmo supermercado em 2018;
um homem agredido por agentes do Carrefour depois de abrir uma lata de cerveja;
uma funcionária do Atacadão (pertencente ao Groupe Carrefour) demitida este ano depois de denunciar a prática de racismo e de intolerância religiosa de colegas contra ela em plena loja.
Em seguida perguntamos: Vocês consideram que há uma prática de racismo sistêmico nas lojas do Carrefour Brésil? Diversos internautas questionam se haveria uma conivência da parte do Carrefour com o racismo no Brasil; qual a sua posição sobre essas questões?
Até então, não havíamos precisado um prazo. Deixamos claro que esperávamos uma resposta o mais rápido possível.
Sem nenhum retorno, o Diário do Centro do Mundo informou então ao grupo que aguardaria uma resposta até segunda-feira.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o grupo nos telefona novamente, como se não houvesse recebido por escrito uma precisão de nossas questões. Esclarecemos novamente que nosso pedido de resposta é sobre a repetição dos casos de violência e racismo no Carrefour. Ela nos pede para repetir o veículo para o qual o pedido é feito. “Estou ouvindo-o e procurando em paralelo”, diz.
“Sua pergunta é sobre a posição do Carrefour sobre o caso?”, pergunta, como se nosso pedido fosse de uma grande complexidade.
“Queremos saber qual a posição do Carrefour sobre a repetição dos casos de racismo e violência nas suas lojas no Brasil”, precisamos e repetimos por uma enésima vez a pergunta, que se revela complexa e de difícil compreensão, como numa conversa circular, sempre sem resposta.
Mas adicionamos um elemento: queremos saber também se há casos de racismo registrados em outros países onde está a rede.
“Você viu que o Sr. Bompard (CEO do grupo) tuitou sobre esse assunto, em português?”, pergunta. Precisamos que gostaríamos de obter uma posição institucional do Carrefour sobre a repetição de episódios de violência de seus agentes.
Observamos à assessoria que o CEO diz que o Carrefour vai mobilizar uma preparação de seus funcionários sobre racismo, mas questionamos por que essa mobilização não foi feita antes, durante todos esses anos, quando outros casos foram registrados.
A assessoria confirma novamente receber o pedido de resposta e promete um retorno assim que obtiver uma posição do grupo.
Enviamos nosso pedido também por SMS à assessoria de imprensa, que nos contacta mais uma vez na segunda-feira, último dia de espera por uma resposta.
Aproveitamos o contato para relembrar que aguardaríamos até aquele dia (ontem).
Passados os quatro dias, o Groupe Carrefour não respondeu aos nossos questionamentos. Portanto, eles permanecem: houve conivência do Carrefour com o racismo no Brasil ao longo destes anos? Por que as medidas anunciadas pelo CEO Alexandre Bompard não foram tomadas antes da morte de João Alberto? Qual a posição do grupo sobre a repetição dos casos de racismo e violência em suas lojas?
O Groupe Carrefour publicou entre aspas as palavras do CEO Alexandre Bompard: “Meus valores e os valores do Carrefour não compactuam com racismo e violência”.
Então por que Januário Alves Santana foi espancado, assim como tantos outros casos de racismo e violência se repetiram desde então, culminando na morte de João Alberto?
Por que a violência, particularmente sob a forma de racismo, foi praticada repetidamente por agentes a serviço do Carrefour?
Questões para o quais o grupo nos deixa sem resposta. Os fatos mostram que, ao contrário do que diz o CEO, o racismo não é estrangeiro às práticas de sua rede de supermercados. Por quê?