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Por Fabrício Carpinejar
Agora temos um novo sinônimo para matar: imobilizar.
João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, o Beto, tamboreiro da Vila Farrapos, pai brincalhão de quatro filhos e uma enteada, torcedor do São José, linchado cruelmente até o seu estertor na noite de quinta (19/11), no Carrefour, em Porto Alegre (RS), foi “imobilizado” de acordo com os seus assassinos, o segurança e o policial militar.
Ele era perigoso porque era negro. Soldador de portões, não teve saída emparedado por agentes dispostos a silenciar a sua versão dos acontecimentos.
Não queriam apenas assustar, mas apagar o arquivo, eliminar o contraditório, desaparecer com as provas.
É a pena de morte aplicada fora da lei, pelo racismo estrutural. Não importa se ele apresentava ou não uma ficha criminal, nada justifica o extermínio.
Assim como o Brasil já cunhou o “estupro culposo”, que é a agressão sexual sem intenção, assistimos ao nascimento de outro eufemismo, que significa matar para conter a reação de alguém, até a vítima ficar definitivamente parada, até a vítima não se mexer nunca mais, até afrouxar os braços e se despedir desprovida do adeus.
É a imobilidade total do cadáver.
Joelho no pescoço para a pessoa não poder mais respirar, para a pessoa não ter nem voz de socorro e de compaixão, para a pessoa não transparecer mais nenhum fio de sopro de sua existência, para calar de vez a sua boca.
Imobilizar é um inédito verbete no jargão da nossa impunidade.
Só que João continuará se mexendo dentro de nossas consciências, não há mais como segurá-lo. Não inventaram ainda um jeito de amarrar a alma, de aprisionar a verdade.