Originalmente publicado em FACEBOOK
Por Ronaldo Lima Lins
Alguns instantes na história de um país lembram às vezes aquelas fogueirinhas que dois ou três turistas fazem, para se aquecer, quando entram no mato. Reúnem uns gravetos secos e acendem um fósforo. Nada que se diria capaz de provocar incêndios e dizimar florestas. Um pouco mais tarde, dão as costas e seguem o seu caminho. Não notam que as fagulhas crescem e que de repente ninguém pode com elas. No Brasil das queimadas, há quase sempre mãos criminosas, descuidadas com o meio ambiente. Gente que respira como nós e ri para a falta de oxigênio e o monóxido de carbono capazes de empurrar o planeta à extinção. E não agem por acaso. Cobiçam as terras para aumentar suas propriedades e alimentar o gado.
O governo, que se mostrava indiferente, despertou assustado diante do clamor internacional contra o desleixo e a complacência das autoridades. A letargia é uma tática que pode dar certo por um tempo, mas não por muito tempo. Logo as pessoas, motivadas ou não por clareza política, começam a emitir opiniões que se somam ao restante do mundo. Algo semelhante ocorreu com George Floyd, nos Estados Unidos, e agora com João Alberto Silveira Freitas, espancado e morto por dois agentes de segurança do Carrefour, em Porto Alegre. No ambiente das redes sociais, a cena da brutalidade covarde correu os lares e a mente da população, daqui e de fora. Houve manifestações no Rio de Janeiro, em Porto Alegres, e em Salvador, com negros em protesto contra o racismo.
Enquanto isso, no Planalto Central, o Vice Hamilton Mourão minimizava a gravidade do fato para os jornalistas, negando a dureza das relações interétnicas. Segundo ele, racismo existe nos Estados Unidos. Entre nós, não. Confundia apartheid com opressão social que se conserva, sim, desde a escravatura, algo que a lei da abolição (a Lei Áurea, da Princesa Isabel), atacando o problema apenas por um lado, não solucionou. O apartheid norte-americano serviu de modelo para os sul-africanos, só proibido depois da revolução que elevou Mandela ao poder. No nosso caso, basta possuir a pele escura e percorrer o comércio para experimentar e sensação de exclusão extremamente forte. Isso para não citar as estatísticas que apontam para os salários inferiores em relação aos brancos e as portas fechadas para as universidades, só abertas pelo sistema de cotas instituído, diga-se de passagem, por uma administração petista.
Contudo, o rastilho do incêndio não se interrompe. O Presidente Jair Bolsonaro, que já atacou a China e, recentemente, os Estados Unidos de John Biden, ameaçando usar a pólvora, como se necessitasse de vítimas novas, voltou-se para a França. No começo da sua gestão, incomodado com observações feitas por Emmanuel Macron, comparou a mulher dele com a sua, enchendo o peito, vaidoso, para ferir a ética e desrespeitar a companheira de um Chefe de Estado. A resposta não tardou, como se necessitasse de um banho de boa educação.
Bolsonaro lembra os turistas descritos acima, com seus gravetos, prontos para provocar uma catástrofe devastadora. A derrota dos seus candidatos, nas eleições municipais, não lhe baixou a arrogância. Que tome cuidado, é um conselho. Não demorará muito e as chamas que grassam em toda parte em território nacional, podem alcançar o Palácio da Alvorada. De todo modo, nunca estivemos tão perto delas. É preciso frisar, Sr. Mourão, sobre João Alberto, vidas pretas importam. Não faça como o chefe. Não as subestime.
Ronaldo Lima Lins é escritor e Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ.