‘Absurdo’, dizia Maradona ao meu lado quando Dilma foi vaiada no Itaquerão: o relato de Mônica Bergamo

Atualizado em 26 de novembro de 2020 às 12:12
Maradona e Mônica Bergamo, na abertura da Copa de 2014: privilégio da jornalista, no lugar certo, na hora certa. Foto: reprodução do Twitter

A jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, teve o privilegio de acompanhar um jogo da Seleção Brasileira ao lado de Maradona.

Seu relato simboliza bem o que era Maradona, e como são os outros — no caso, a classe média ingrata que xingou Dilma Rousseff em um evento que só se tornou possível graças a ela e a Lula, claro, que se empenharam para trazer a Copa do Mundo para o Brasil, e realizá-la, com êxito.

Segue o seu relato:

Foi um dia histórico sob muitos aspectos: abertura da Copa do Mundo no Brasil, vaia grosseira à então presidente Dilma Rousseff, prenunciando o impeachment que estava por vir, jogo suado da seleção brasileira contra a Croácia, a mesma que um mês depois tomaria a surra de 7 a 1 contra a Alemanha. Abertura para valer do Itaquerão corintiano, que até então tinha sediado apenas uma partida.

Naquele 12 de junho de 2014, me sentei ao lado de Diego Maradona em um dos camarotes da arena. Ele tinha se perdido no estádio, não encontrava o lugar em que deveria se sentar. Eu o vi nos corredores da arena e saí correndo atrás dele. De repente, um camarote se abriu para recebê-lo. Eu entrei junto, no meio da confusão.

Maradona se sentou, e eu me acomodei a seu lado. E comecei a puxar conversa. Abaixo, o relato daquela tarde inesquecível:

“É uma vergonha. Eu não vou assistir a mais nenhuma partida nos estádios. Eu vou ver no hotel, pela televisão”, dizia Diego Maradona à equipe que o acompanhava no Itaquerão, anteontem, na abertura do Mundial.

A coluna acompanhou toda a partida ao lado do craque argentino. Maradona estava irritado porque não tinha conseguido achar o lugar reservado a ele na arena. Ficou perdido. Cercado por torcedores brasileiros, foi salvo do tumulto por Ana Palenga, da empresa Alufer, que construiu toda a estrutura metálica da cobertura do Itaquerão. Levado ao camarote em que ela estava, Maradona tentava se acalmar para ver o jogo.

“Brasil, claro!”, responde ele sobre a seleção que contaria com sua torcida. E, contando nos dedos cada um dos gols que os brasileiros e os croatas fariam, deu o palpite certeiro: “Três a um”.

A partida começa. Maradona, mãos nos joelhos e de óculos escuros, só tem olhos para o jogo. De repente… gol da Croácia! Ele se assusta. Fica em dúvida. “Gol?” Olha para o telão. Confirmado: 1 a 0 contra o Brasil. O craque fecha ainda mais a cara —ele não é exatamente um senhor simpatia, como notam todos os que estão no camarote.

“E, gente, ele é pé-frio. Vou ficar longe”, observa um dos convidados da Alufer. “It’s time to go [é hora de ir embora]”, diz outro. Por superstição, todos começam a se afastar do ex-jogador. As poltronas à esquerda dele ficam vazias.

O Brasil começa a atacar. Num quase gol, o argentino aplaude. Depois, com as mãos, faz o gesto de que a seleção está num vaivém, sem resultados. Mas logo Neymar coloca a bola na rede adversária. Maradona levanta, aplaude. Sem muita euforia.

E chega o intervalo.

“Eu não gostei do Brasil”, diz Maradona. “Não gostei da defesa. O ataque está bom. A bola sempre passa pelo Neymar. E isso é bom.”

Ele diz que as seleções, em regra, nunca vão bem nas primeiras partidas que disputam numa Copa. “É sempre muito difícil. O primeiro jogo é um choque grande na cabeça dos jogadores”, afirma –ele disputou quatro mundiais.

Os anfitriões oferecem a Maradona cerveja, vinho branco, espumante. Ele recusa. Aceita só salgadinhos.

Maradona não entende direito as agressões dirigidas à presidente Dilma Rousseff. A coluna traduz os xingamentos para o espanhol. “Absurdo, absurdo!”, diz ele. O argentino é simpatizante dos governos de esquerda da América Latina. Foi amigo de Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela. “Não há outro Chávez, assim como não há outro Fidel Castro [de Cuba] ou outro Lula”, afirma.

A partida recomeça. O juiz marca o pênalti a favor do Brasil. Na hora, Maradona não notou que haveria dúvidas. E comemorou mais um gol do Brasil. Com discrição.

“Você não se emociona? Você não lembra de quando estava lá? Você era um ídolo para nós!”, diz Luana Palenga. “Obrigado”, agradece Maradona. Mais um gol. Mais uma comemoração discreta.

Faltam dez minutos para o fim da partida. Agora, sim, é hora de ir embora. Maradona se despede, cumprimentando cada um. Sai com o passo apressado para evitar o assédio dos fãs brasileiros.

Maradona, como muitas vezes se viu ao longo dos 60 anos, estava do lado certo da história. E a jornalista estava no lugar certo, na hora certa.

Havia outra colunista no estádio. Em vez de relatar o que era relevante, ela se uniu à malta para xingar Dilmar — “VTNC”. O confronto entre as duas revela também o que é a nossa imprensa. Muito lixo, mas tem coisa boa no meio.