Antes mesmo de familiares e amigos de Douglas chegarem, Andrea F. Rodrigues já está na porta da escola estadual Professor Victor dos Santos Cunha. Miúda, Andrea é mãe de Maycon R. Moraes, cuja foto traz estampada em sua camiseta.
Há menos de um ano, Maycon estava dentro de um carro quando foi abordado por policiais. Segundo testemunhas, foi recebido a tiros ao descer do automóvel, porém saiu vivo do local. Chegou ao hospital meia hora depois com 7 perfurações de bala e já morto. Ao buscar informações do irmão, o outro filho de Andrea foi agredido e teve seu maxilar fraturado também por policiais. Ela desde então luta em todas as esferas possíveis e irá acompanhar a marcha em memória de Douglas Rodrigues, igualmente morto pela polícia. Ambos tinham 17 anos.
É perceptível que todos ali têm uma história parecida como a de Douglas ou Maycon para contar. Domênica, 27 anos, já saiu de lá para buscar dignidade. Foi morar em Santa Catarina mas não achou justo ser ela a peça a ser trocada e voltou. “Nasci aqui. Tenho que ser tratada como os brancos. Sou mais uma vítima do sistema que eu sustento, porque eu trabalho e pago impostos mas se eu estiver no meu bairro e a polícia achar que deve me enquadrar, irá fazer. Acho que essa é a hora de mudar ou isso irá acontecer com meus filhos, com meus netos, com meus tataranetos. Sou vítima, mas não serei mais.”
Douglas foi o estopim da revolta que incendiou caminhões na rodovia Fernão Dias há duas semanas, mas os corações e mentes daqueles moradores da Vila Sabrina ainda parecem em brasa. “É abordagem tomando tapa na cara o tempo todo, e o que o governo faz? Porra nenhuma”, diz Wilian. Ele e mais quase uma centena de pessoas trazem a foto de Douglas impressa na camiseta, encimando a pergunta que tem a mesma contundência do tiro e um revide de infinita superioridade: “Por que o senhor atirou em mim?”
O pai de Douglas elenca uma série de questões que retratam o cenário: “A lei é para todos? O PM que matou meu filho está solto. Meu filho estudava, trabalhava com 17 anos, iria votar. Era um cidadão. O policial que o matou ficou nove dias preso e agora está solto. Como fica minha família? Como fica o irmão dele de 12 anos que estava junto? Se estivessem ficado um na frente do outro eu teria perdido os dois naquele dia. Eu acordo cedo e como minha marmita para pagar impostos para a polícia me defender. Para que? Pro PM matar meu filho? A lei é para todos?”
O ato iniciou em frente à escola onde Douglas estudava, passou pelas casas do pai e da mãe e também pela viela Bacurizinho, local onde foi alvejado e cuja pergunta dirigida ao policial ficou sem resposta. Acompanhada o tempo todo por viaturas que faziam um cerco a cada dois ou três quarteirões, a manifestação entoava o grito de “Recua polícia, recua. A periferia tá na rua”, e a polícia, senão recuava, afastava-se para outros 2 quarteirões adiante. Seria pela presença da imprensa?
O cantor Emicida encerrou o ato discursando próximo ao local da morte do adolescente. “Cada vez que um Douglas cai, cai um pouco de cada um de nós porque a perseguição vem para cima dos pretos, dos pobres. Poderia ser eu. Mas a gente vai lutar para o resto das nossas vidas até termos o país que precisamos para viver. Talvez a gente não vá ver esse resultado, mas nossos filhos e nossos netos.”
Alguns de nós fomos convidados a participar do churrasco após o encerramento. Ao agradecer declinando por razões de distância e horário, um amigo de Douglas nos faz o convite de forma mais direta. Em baixo volume de voz, pergunta se não podemos permanecer pois tem receio de que após nossa saída a polícia mude de comportamento. Douglas terá sido o último?