Em setembro do ano passado, jornais de todo o Brasil noticiaram a morte de Paulo Vítor Luciano Lima, conhecido como PV e que seria integrante da milícia conhecida como Liga da Justiça ou Bonde do Ecko, que atua na Zona Oeste do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense.
Ele foi morto por policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) na casa de sua companheira, no bairro da Paciência, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Comunicado oficial sobre a morte registrou o assassinato como resultado de confronto com policiais.
Mas não é o que diz a companheira dele, dona da casa onde ocorreu o crime, Jéssica dos Reis Rodrigues. Desde outubro do ano passado, Jéssica tem procurado autoridades e entidades de defesa dos direitos humanos para denunciar que Paulo Vítor foi, na verdade, executado.
Até agora, nenhuma autoridade lhe deu ouvidos.
Depois do assassinato de PV, já houve outras ações da Polícia Civil que também seriam abusivas, relatadas à Corregedoria da Polícia Civil e também a morte de outras pessoas, com indícios de execução.
No último dia 15 de outubro, por exemplo, doze pessoas foram mortas numa operação na região de Itaguaí, anunciada como de combate às milícias.
Há áudios trocados por policiais que indicam execução depois de supostos criminosos estarem rendidos.
Sobre Paulo Vítor, a Draco emitiu o seguinte comunicado em 17 de setembro de 2019, dia do crime:
HOMICIDIO DECORRENTE DE INTERVENÇÃO POLICIAL
Agentes policiais, no deflagrar de uma ação de inteligência, visando a captura do nacional PAULO VITOR LUCIANO LIMA ,vulgo “PV”, “miliciano” integrante da LIGA DA JUSTIÇA, entraram em confronto com o alvo no interior do imóvel, localizado no bairro de Paciência, e em decorrência de sua injusta agressão contra a equipe,o mesmo foi alvejado fatalmente no local.
Equipes da DH foram prontamente acionadas, sendo todos os procedimentos de polícia judiciária adotados na hipótese, com foco na perícia de local, onde tudo foi devidamente preservado pela equipe.
Em tempo, alvo possuía 04 mandados expedidos em seu desfavor por crimes relacionados à organização criminosa e em seu poder foi arrecada uma pistola, que foi utilizado para realizar disparos em desfavor da equipe.
Após vistoria no imóvel,foram,ainda, arrecadados um revólver, dois carregadores de fuzis e rádios transmissores.
Na representação que encaminhou à Corregedoria da Polícia Civil, ao Ministério Público e à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jéssica narra outra história.
Grávida de PV, teria falado com ele na véspera e perguntado se iria para a casa dela para levar dinheiro que seria usado na compra de enxoval para o bebê.
Segundo ela, PV disse que só iria no dia seguinte, mas, tarde da noite, ele entrou na casa, pelo portão da garagem, que ela deixou aberto, já imaginando que talvez ele mudasse de ideia.
“Entrou, trocou de roupa e veio deitar ao meu lado, e pôs a mão na minha barriga, a gente dormiu bem assim”, contou.
Às 6 da manhã, acordaram com a explosão do portão da garagem. Ela pensou estar tendo um pesadelo até que ouviu gritos de “polícia, polícia”.
“Me levantei da cama junto com meu companheiro, eu estava muito assustada e fomos para a sala, que estava cheia de policial com fuzil na mão. Daí o PV falou ‘Perdi, perdi’, e se entregou para a polícia, e ele estava desarmado, usando uma cueca só”.
Passando mal, ela teria avisado que estava grávida e o chefe da operação, delegado Fábio Salvadoretti, teria mandado que a tirassem da sala.
“Um policial coroa me puxou para outro cômodo da casa”, afirmou. Foi quando ela ouviu tiros e gritos.
Quando se virou, viu que Paulo Vítor tinha sido jogado ao chão e levado um tiro. “Foi questão de contar um, dois, três, quatro e paf. Ele estava se entregando, mas empurraram ele, jogaram ele no chão e mataram ele na covardia. Foi uma execução”, disse, em seu depoimento.
O delegado Salvadoretti teria dito:
“Pô, já faz cinco meses que estou querendo pegar esse cara, hoje foi”.
Jéssica contou que os próprios policiais atiraram na geladeira dela e na parede, para simular que a morte foi por resistência.
A polícia apresentou uma arma como se fosse de PV, mas, segundo ela, a pistola foi plantada.
Ela disse que uma condição para ele entrar na casa é que não levasse arma.
Depois dos tiros, os policiais teriam estranhado a “tranquilidade” dela. Na verdade, contou, estava nervosa, mas também com medo de morrer.
“Eu não fiquei muito desesperada naquela hora porque eu não estava acreditando, e fiquei com medo de alguém fazer alguma coisa comigo”, disse.
Salvadoretti teria dito que só não iria dar esculacho nela porque a havia investigado e descoberto que não tinha envolvimento com a milícia.
“Tá com pena dele? Ele te traía. A gente sabia o quanto você estava sofrendo. Ele tinha várias amantes, e uma fixa”.
Ela teria respondido:
“Eu sei tudo o que ele estava passando, mas o sonho dele era ser pai do meu filho, e estava se entregando, agora meu filho vai nascer e o pai já está morto”, recordou.
Jéssica ainda acusou os policiais de desaparecerem com a bolsa dele, onde haveria corrente de ouro e dinheiro.
A milícia no Rio de Janeiro é uma organização criminosa que nasceu da ineficiência do Estado.
Não há santo na milícia. Pelo contrário.
A exemplo da máfia em outros países, se organizaram como empresas e mantém negócios, alguns lícitos, outros não.
Assumiram o poder do estado, não só na segurança pública, mas também na autorização para o comércio.
Além disso, ocupam áreas públicas para construções ilegais, e lucram com a venda de apartamentos.
Mantém empresas de transporte e de distribuição de gás, além de distribuição de internet furtada, o gatonet.
Hoje, há indícios de que mantém elos com políticos, que financiaram, e também juízes.
Nessas ações violentas da Polícia Civil, outra questão precisa ser destacada.
Quem ganha com elas?
Ao que tudo indica, não é o morador da Zona Oeste e da Baixada Fluminense.
Desde que atuava na Delegacia de Homicídios, até 2018, o delegado Fábio Salvadoretti tem demonstrado empenho no combate à milícia do Ecko, apelido de Wellington da Silva Braga, um dos criminosos mais procurados do Rio, jamais preso, alvo de mandados de prisão por homicídio e associação criminosa.
Combater as milícias é o trabalho do delegado Salvadoretti, mas, para realizá-lo, não deveria ultrapassar o limite da legalidade.
Já esteve no complexo penitenciário de Bangu sem autorização legal e, segundo relatos entregues ao Ministério Público e ao juiz corregedoria dos presídios, teria comandado sessões de tortura.
Outras representações entregues à Corregedoria de Polícia e ao Ministério Público informam ações abusivas. São pessoas que dão nome, sobrenome e, em alguns casos, até provas, como vídeos.
São denúncias graves, que deveriam se apuradas por órgãos de controle da própria polícia.
Afinal, não existe pena de morte no Brasil, e a execução pode alimentar uma guerra que, ao final, só tirará a paz dos moradores do Estado do Rio de Janeiro.
É bom que a polícia aja, mas sem se tornar esquadrão da morte e muito menos servir a interesses de outras quadrilhas que querem ocupar território das milícias, como, por exemplo, o tráfico ou até milicianos rivais.
Crime é crime, não importa se quem o pratique tenha carteira de policial ou não.
O DCM procurou a chefia da Polícia Civil no Rio de Janeiro por volta das 12 horas, e solicitou entrevista com Fábio Salvadoretti ou uma posição dele ou da instituição. Até agora, não houve retorno, apesar da informação de que a matéria seria publicada até o final da tarde de hoje.
Assim que houver retorno, a posição da Polícia Civil ou uma entrevista com Salvadoretti será publicada.